domingo, 26 de dezembro de 2010

Encontros e reencontros - Parte I

O bar do Hostel The Point era um ponto de encontro entre turistas de toda parte que se hospedavam no hotel, oferecendo baladas de vários estilos, jogos, campeonatos, comida e, claro, muito álcool. A principal vantagem, a meu ver, era a conveniência: eu ia lá de bermuda e chinelo, sem bolsa, sem documento, sem dinheiro, porque anotava o consumo na caderneta e pagava no check out, e quando queria dormir era só andar (ou, quem sabe, me arrastar) alguns metros até o meu quarto. Foi lá que comecei a aprender a dançar salsa, que comi alguns lanches quando a fome apertou e o cansaço não permitiu andar até a Plaza de Armas e que fiz alguns amigos, como no episódio que vou contar a seguir.

Eu estava saboreando uma Cusqueña, cerveja pela qual me apaixonei logo no primeiro dia, quando um rapaz de olhos e cabelos claros, pele bronzeada, chamou-me para jogar sinuca.

- I'm sorry, I'm very bad on that.
- There's no problem! I just need a partner.
- Ok, but I don't know how to play.
- I can teach you the rules.
- I know the rules. The problem is I can move the ball on the right direction OR beat it strongly. Doing both things at the same time is impossible to me.
- No problem, we're playing for fun. Let's play with us, I need a partner.

Bar do Hostel The Point


Aceitei o convite mais para me entrosar do que porque, de fato, estivesse afim de jogar. O rapaz estava acelerado, parecia estar sob efeito de algo mais forte que as Cusqueñas que eu tinha visto em suas mãos. Logo comecei a conversar com a dupla rival, também em inglês, até que, após uns cinco minutos de conversa, lembrei de perguntar o nome de um dos rapazes e deu-se o diálogo já relatado no post Uma tarde em Lima:

- Márcio, and you?
- Márcio from Brazil?
- Yes, where are you from?
- Brazil too.
- Ah, que bom, vamo começá tudo dinovo, cumé que cê tá?

Obviamente, eu e meu parceiro perdemos a partida, porque eu sou mesmo um zero à esquerda em qualquer jogo que exija coordenação motora e raciocínio espacial. Pelo menos ele nunca poderá queixar-se de que não avisei. Mas esse episódio me rendeu alguns amigos: Márcio e seus dois companheiros de viagem, com quem eu encontrava pelos corredores e pelo bar do hostel. Por pouco tempo, porque eles logo partiram para outras cidades, como Arequipa e Puno.

***

Dias depois, em Lima, após comer um almoço um tanto quanto indigesto perto da Plaza 2 de Mayo, vi um McDonald's e fiquei com vontade de tomar sorvete para tirar o gosto da boca. Foi então que, no caixa, um rapaz me chamou:

- Gabriela?
- Sí... yo lo conosco?

Era um dos amigos de Márcio que, coincidentemente, comprava sorvete no mesmo lugar e na mesma hora que eu. Fiquei feliz por arranjar companhia, porque Lima é uma cidade grande e a sensação de desamparo ao me virar sozinha era maior que em Cuzco ou Águas Calientes. Logo eu já estava reentrosada, resolvemos ir à orla e começamos a bater papo enquanto tomávamos nossos sorvetes.

No Peru, até o McDonald's vende pollo!


- E aquele rapaz da sinuca... tava muito loco hein? - Comentei.
- Tava não... ele é louco.
- Daonde ele é?
- Dos Isteitis. E tá no hostel há cerca de um mês.
- Nossa, viagem longa...
- Não era pra ser... Acontece que ele perdeu o passaporte e ficou preso no hostel. Enquanto não tiver o documento, só pode sair de lá pra ir até a embaixada resolver esse problema.
- Nossa! Que situação! Ele está há um mês trancado no hostel?!
- Sim, e sem dinheiro. Tem dormido no sofá lá embaixo, pra não ter que pagar um quarto.
- E como ele arrumou aquelas Cusqueñas?
- Ele pede, os hóspedes sempre pagam umas e outras. Aquelas que ele tomou fomos nós que pagamos. Ele começou a pedir mais uma, mais uma, até que eu disse, cara, não dá... Ele ficou meio bravo...
- Mas também, ele disse que o passaporte já tá pronto faz uma semana. Ele que não quer ir buscar.
- Um cara desses, mano, pode ser que nem tenha perdido o passaporte. Acho que ele mesmo é que deu um jeito de sumir com ele. Deve ter jogado na privada e dado a descarga. O cara tá curtindo ficar lá no hostel, isso sim...

***

Já na rua, encontramos uma cabine telefônica e eles resolveram parar para entrar em contato com as respectivas famílias e namoradas. Meus pais estavam inacessíveis naquele dia, então aguardei do lado de fora. Quando o último rapaz apareceu...

- Falei com ela.
- E aí?
- Tá brava porque não liguei mais. (Ria) Falei que eu tava com vocês, que saímos pra beber ontem, hoje viemos pra Lima, só deu tempo de ligar de novo agora. Pô, deixa eu aproveitar, né? Depois do que ela me disse ontem, tenho que aproveitar essa viagem o máximo que puder!

Vendo minha cara de ponto de interrogação, um deles explicou:

- Ele vai ser pai! Recebeu a notícia da namorada, ontem!
- Ah, que notícia boa pra se receber no Peru, por telefone, hein?
- Bom, eu já tava em Puno... Fui pra um bar na beira do lago e enchi a cara pra comemorar!

Eu sabia que, voltando ao Brasil, minha vida estaria completamente mudada: novo trabalho, nova cidade, algum tempo na casa da mãe, muitas coisas para redefinir. Agora conhecia um outro para quem a viagem provavelmente também marcava a intersecção entre duas fases tão diferentes de vida...

***

- E como foi em Nazca? - Perguntei.
- Da hora lá... Tem uma torre onde dá pra subir e ver algumas formas no chão. Mas pra ver tudo, só de avião. O Bruno pegou um aviãozinho teco-teco pra ver as linhas.
- Sério?! Que legal!
- Putz, dá um cagaço, isso sim! - Disse Bruno.
- Hahaha, mas vale a pena, não?
- Ah, já fui uma vez, não quero nunca mais! O cara fica fazendo umas manobras loucas, dá mergulho, vira de lado, de ponta cabeça... Cara, quase gorfei... É pra doido aquilo!
- Hahahaha! E vocês, não foram?
- Ah, cara... quando vi o preço já desanimei um pouco... e depois, falando com um piloto, perdi a coragem de vez...
- Por que, o que o piloto disse?
- Tava tendo uma manifestação pra fechar aquele aeroporto, porque recentemente morreram quatro franceses num voo desses em Nazca... Parece que logo que decolaram, bateu um vento de cima pra baixo que atirou o avião no chão, de uma altura de uns 20 metros, mas com tanta força que não sobreviveu ninguém. Daí o piloto ficou falando que é besteira isso, porque o aeroporto é seguro. Claro que por volta das 11 horas da manhã tem vento, ele não faz mais voo nesse horário, mas no resto do dia é sossegado, é só ter cuidado... É raro morrer gente, antes desses franceses só teve uns dois ou três acidentes no ano... Eu hein, ele acha pouco?!
- Pois é, eu vou ser pai, tenho que pensar nisso agora, né?!

Fiquei pensando que mesmo com esse risco, se eu tivesse chegado a Nazca, eu pegaria o aviãozinho teco-teco... Certas alegrias na vida vêm acompanhadas de algum risco. Fiquei surpresa com esse pensamento, que jamais teria passado pela minha cabeça alguns meses atrás...


As linhas de Nazca, que só formam um desenho compreensível quando vistas do alto

 ***

Já no aeroporto de Lima, onde passei momentos difíceis, conforme já expliquei em O complicado retorno ao Brasil, pensei naquele rapaz do Hostel The Point. Ele estava há um mês sem dinheiro e sem documento, preso em um albergue, dormindo num sofá, comendo e bebendo o que lhe davam alguns turistas bondosos em troca de uma boa conversa e umas partidas de bilhar. E pelo visto, gostava dessa vida, já que não demonstrou interesse em ir buscar o documento que estava pronto.

Na verdade, é possível sobreviver com muito pouco. É perfeitamente possível. E se eu não me desesperasse, poderia até curtir aquela noite no aeroporto de Lima, quando todas as seguranças me foram removidas de uma só vez... ou não, uma garantia eu ainda tinha. De repente, num momento Poliana, pensei: estou contente, porque pelo menos tenho passaporte!

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Um piolho na cabeça de um puma: Sacsayhuaman

Por 25 soles, peguei um microônibus na Plaza de Armas para fazer o city tour, com direito a guia explicando cada lugar por onde passamos. O passeio incluía diversos pontos turísticos e, como cada um deles tem curiosidades muito específicas, vou contar em posts separados. Falarei agora sobre Sacsayhuaman.

Trata-se de uma fortaleza construída pelos incas, com rochas gigantescas trazidas de montanhas distantes. Dizem que quem começou a construção foi o inca Pachacuti, por volta de 1430 dC. O trabalho durou em torno de 50 anos.

Uma curiosidade sobre Cuzco é que a cidade foi planejada para ter o formato de um puma, símbolo do poder temporal. Os incas acreditavam na existência de três mundos, cada qual simbolizado por um animal: o mundo subterrâneo (dos mortos) era representado por uma serpente, o terreno (dos homens) por um puma e o céu (dos deuses) por um condor. Claro que agora fica mais difícil de visualizar o formato da cidade, que já cresceu e se espalhou, mas dizem que o projeto da cidade era mais ou menos assim:

O projeto original de Cuzco, em formato de puma

Nesse contexto, Sacsayhuaman ocupa a posição indicada com uma letra E no mapa: é o alto da cabeça do puma, ou seja, o centro de controle, o comando, o que tem a ver com a função política e militar que tinha a fortaleza.

A cabeça de um puma, assim como a dos gatos, é ligeiramente enrugada e até isso os incas tentaram reproduzir: Sacsayhuaman tem três muralhas (cada uma representando um dos três mundos) em ziguezague, que vistas de cima, lembram essas rugas felinas.

Infelizmente, o que vemos atualmente é cerca de 20% do que já existiu um dia. Os espanhóis destruíram a maior parte dessa obra arquitetônica, usando as pedras para construir casas e catedrais. A Igreja Matriz, localizada na Plaza de Armas, é uma das que foram construídas com pedras retiradas de Sacsayhuaman.

Diante da imponência do local que, um dia, já foi ainda maior, posso dizer que eu era, ali, não mais que um piolho na cabeça do puma.

As três muralhas em ziguezague

Subi diversos degraus, meio tonta por causa do soroche, sentindo os pés pesados como se sobre eles estivessem aquelas pedras que os incas usaram para a construção. Mas valeu a pena, porque lá no alto das muralhas há um mirante, do qual se pode enxergar toda a cidade (e descobrir que, de fato, o formato atual passa bem longe de ser um puma). Foi interessante ver de cima os locais por onde eu já havia passado, como a Plaza de Armas, que de repente parecia minúscula.

Plaza de Armas, vista do mirante de Sacsayhuaman

Cada pedra usada na construção tem de ser polida para que se encaixe nas outras. Os incas fizeram isso com uma precisão intrigante, pois nos encaixes entre as pedras não se consegue passar, nem mesmo, a lâmina de uma faca. Algumas pedras, por isso, assumem formatos não convencionais, como a pedra de onze ângulos. Pela foto a seguir vocês podem estimar o tamanho da pedra, considerando que eu tenho 149 cm de altura. Não consigo sequer imaginar o peso que ela tem, muito menos como foi que um grupo de incas trouxe uma rocha tão grande desde o alto de uma montanha íngreme.


Pedra de onze ângulos

Outra curiosidade a respeito de Sacsayhuaman é que nesse local, em todos os solstícios de inverno (dia 24 de junho), celebra-se o Inti Raymi, festival relacionado com o culto do deus sol (Inti). Nessas ocasiões, as pessoas sobem até a fortaleza e dançam as danças típicas, realizando toda a ritualística que permaneceu na tradição.

Conforme eu ia aprendendo sobre as histórias do local, os costumes, as tradições, algo em mim começava a se encaixar, quase tão perfeitamente quanto as rochas polidas pelos incas...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Potencial de vinho


Era uma sala de aula pequena, com uma lousa verde dessas antiquadas em que se escreve com giz. Mas não era uma sala de escola, e sim de uma clínica. Lá eram atendidos os adolescentes infratores que cumpriam medidas sócio-educativas e eu, como psicóloga, resolvi acompanhar uma das aulas para ver como era. Uma colega, assistente social, começou a reunião.

- Como este é nosso primeiro encontro, quero que vocês se apresentem. Digam o nome, a idade, uma coisa de que gostam e que língua vocês falam.

Que língua vocês falam? Isso é engraçado. Acho que vou dizer que falo esperanto, pensei.

Os adolescentes se apresentaram. Eram uns cinco ou oito, quem sabe dez. Chegou a minha vez de falar e fiquei meio perdida.

- Meu nome é Gabriela, eu gosto de... do que eu gosto mesmo?

Alguém apareceu na porta e disse à assistente social que havia um telefonema esperando por ela. Os adolescentes dispersaram e fiquei meio chateada de não poder me apresentar. Nem falei que a língua que falo é esperanto...

Do outro lado do quintal (sim, a sala era em um quintal), havia uma escada e vi descer por ela uma senhora muito gorda, com avental, levando nas mãos uma bandeja enorme, cheia de cachos de uva. Era grande mesmo a bandeja, devia ter, assim, um metro e meio de comprimento por meio de largura e as uvas eram tantas que formavam uma montanha. A senhora ia descendo, passinho por passinho, meio desengonçada e cheguei a me levantar pensando em oferecer-lhe ajuda. Tarde demais: a gorda balançou, bambeou, rebolou e pimba! Caiu no chão, derramando uvas para todos os lados. Algumas vieram parar bem nos meus pés e fiquei pensando que, ao pisá-las, sem querer eu fazia um princípio latente de vinho.

Belisquei uma uva, fui colocá-la na boca, mas meu pai, que misteriosamente surgiu na minha frente, segurou minha mão.

- Filha, essa uva acabou de cair no chão, é melhor lavá-la, de preferência colocar algum produto para desinfetar, como água sanitária.

Não comi a uva, mas fiquei pensando: que bobagem! Ele não sabe que não tenho medo de doença, que não ligo de comer frutas que caíram no chão.

Quando o despertador tocou, tive muita vontade de rir da cena da mulher gorda balançando e caindo na escada, desengonçada como uma foca. Mas levantei rapidinho, porque era hora de ir trabalhar naquele lugar onde são atendidos alguns adolescentes infratores que cumprem medidas sócio-educativas...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Cometa atrasado e desorganizado

Tempos atrás, publiquei A famigerada rodoviaria de campinas, falando sobre incidentes que vivi numa única viagem curtíssima de Campinas até São Paulo. Já naquele post, queixei-me da Viação Cometa. Nos finais de semana seguintes, continuei tendo problemas com essa empresa. Vou publicar aqui um resumo do que tenho passado com essa tosca companhia de ônibus que monopoliza o trecho Campinas-São Paulo.

Primeiro incidente: foi aquele que já relatei. Ao chegar ao guichê, descobri que o próximo ônibus sairia dali uma hora (o normal são uns 10 ou 15 minutos de espera). Depois, descobri que estavam sem Sistema (vejam minha opinião sobre o maldito Sistema em O complicado retorno ao Brasil). Além de não poder usar cartão de débito, a passagem foi preenchida a mão. Acontece que as atendentes venderam passagem para um horário que não existia, o que me obrigou a brigar para conseguir horário no próximo ônibus, que sairia vinte minutos depois da uma hora que eu já tinha esperado.

Segundo incidente: passei cerca de 15 minutos numa fila gigantesca para comprar passagem. Quando finalmente fui atendida, disseram-me: "estamos sem sistema. Você terá que pegar a fila do outro guichê". E lá fui eu, esperar mais 15 minutos na outra fila para comprar uma passagem. Pelo menos não venderam um horário que não existia, né? Mas não poderiam ter avisado que o todo poderoso Sistema estava fora do ar ANTES de eu esperar 15 minutos na fila errada?

Terceiro incidente: neste último final de semana, cheguei na rodoviária e encontrei uma fila assim:


Reparem no relógio ao final do vídeo, marcando o horário: 18:45. Quando finalmente cheguei no guichê, eram cerca de 19:00, mas comprei passagem para as 20:01, como vocês podem ver na imagem abaixo:


Já que eu teria que esperar uma hora até pegar o ônibus, resolvi usar esse tempo para encher o saco do gerente. Pedi para chamá-lo. A funcionária, com cara de assustada, perguntou "para quê". Eu disse que era para falar dos péssimos serviços prestados pela empresa Cometa. O rapaz apareceu e perguntei se poderia entrar. Ele preferiu falar de longe, através de uma brecha do vidro do guichê, aos gritos porque o barulho da rodoviária atrapalhava a conversa.

- Em que posso ajudá-la, senhora?
- Cara, esse serviço de vocês tá muito ruim! Precisa melhorar!
- Mas está ruim em que sentido, senhora?

Contei os três episódios acima.

- O Sistema, senhora, é operado pela Embratel. Não é culpa da nossa companhia. Quando a Embratel sai do ar, ficamos sem Sistema.
- Mas por que as outras companhias de ônibus não ficam sem Sistema quando vocês estão sem Sistema?
- Porque devem usar outra operadora, oras...
- Então por que vocês não trocam de operadora, ou exigem um serviço melhor da operadora de vocês?
- Ah, isso não tem jeito, senhora.
- E a fila? Você acha certo ter uma fila desse tamanho?!
- É o final de ano, senhora. E olha que teve gente que comprou a passagem com antecedência! Mas a empresa está dando conta da demanda.
- Dando conta da demanda?! Há uma fila enorme, as passagens estão sendo vendidas para uma hora depois, e o senhor diz que está dando conta da demanda?! Por que não colocam mais ônibus? Por que não colocam mais atendentes nos guichês? Se você sabe que no final do ano a demanda aumenta, por que não aumenta a oferta de serviços?
- Por que a senhora não reclama em nosso site?
- Já procurei no site de vocês e não encontrei um canal para reclamações e sugestões.
- Mas tem sim, tem lá num cantinho da página...
- Não encontrei esse cantinho.
- Então pode reclamar por escrito, tem um formulário.
- Ok, me vê um formulário por favor.

Escrevi tudo isso em quinze linhas, que era o tamanho máximo aceito para os textos de reclamação. Deixei meu nome, endereço, e-mail e telefone. Isso foi no sábado, já é segunda-feira e ainda não tive uma resposta.

Sabem por quê? Porque a Cometa é a única empresa que faz o trecho Campinas-São Paulo. Tem o monopólio, desde que comprou a Cristália. Podem reparar no vídeo que Cometa e Cristália estão no mesmo guichê: não há concorrência! E assim, nós, consumidores-viajantes, temos que pagar R$21,50 por uma viagem que, de carro, sairia cerca de R$30,00 (com muito mais conforto e rapidez), além de tolerar todo o descaso da empresa pelos clientes e pelas suas reclamações e sugestões.

Aviso importante: para terminar, deixo aqui uma séria recomendação aos leitores que viajam de Cometa no trecho Campinas-São Paulo. Se os atendentes tentarem vender a vocês as poltronas número 43 e 44, não aceitem! Essas poltronas não existem, mas têm sido vendidas mesmo assim. Já aconteceu com minha mãe e com meu irmão, em ocasiões diferentes. Os motoristas disseram que tem sido um problema muito comum e que, apesar de terem reclamado diversas vezes, continua ocorrendo. Minha mãe reclamou no site da Cometa (ela achou o cantinho da página que não encontrei!), mas não teve resposta. Portanto, cuidado!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Centros geodésicos

A primeira vez que prestei atenção nesse termo foi em Cuiabá, observando as placas que indicavam os pontos turísticos. Mas o que será isso? O taxista que me levava do camelódromo até a rodoviária animadamente me explicava o que havia em cada canto da cidade. Mas mostrou-se surpreso quando perguntei o que é “centro geodésico”. “Onde você viu isso?”. “Naquela placa”, respondi. “Puxa, eu nunca tinha reparado nela...”. Ele morava há seis anos em Cuiabá e, aparentemente, já tinha visto todas as placas e conhecido a maior parte dos pontos turísticos, menos o tal “centro geodésico”. Vai entender... Decidi que mataria a curiosidade na internet na primeira oportunidade. O que é que o Google não sabe?

Marco Zero de Nova Xavantina e suposto Centro Geodésico do Brasil

Fui a Cáceres, depois San Matias, de onde retornei a Cáceres assustada e cansada. E nesses dias todos, esqueci de pesquisar o que era centro geodésico. De volta a Cuiabá, fui à Chapada dos Guimarães. Lá também havia a placa: “Centro geodésico”. Seria o mesmo, ou outro? Desta vez havia o guia turístico para explicar. Centro geodésico, disse ele, é o ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico. Sabe aquela música “Um índio”, do Caetano Veloso?

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante
(...)
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito


Pois bem, o local a que Caetano se refere na música é o centro geodésico, o coração da América do Sul, o ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico. No Mato Grosso, temos dois centros geodésicos: o de Cuiabá, que foi marcado por Rondon, quando veio em expedição ao Oeste do país; e o de Chapada dos Guimarães, que foi marcado mais recentemente pela NASA, usando aparelhos sofisticados. Há uma polêmica envolvendo os dois centros geodésicos, porque algumas pessoas acreditam que Rondon estava mais certo e outras tomam o partido da NASA.

Hoje, por exemplo, consultando a Wikipedia, encontrei o seguinte texto:

Cuiabá é abrigo do Centro Geodésico da América do Sul, nas coordenadas 15°35'56",80 de latitude sul e 56°06'05",55 de longitude oeste. Situado na atual praça Pascoal Moreira Cabral, foi determinado por Marechal Cândido Rondon, em 1909, o correto ponto do centro geodésico já foi contestado, mas cálculos feitos pelo Exército Brasileiro confirmaram as coordenadas do marco calculadas por Rondon.

Ou seja, o outor anônimo desse artigo da Wikipedia provavelmente mora em Cuiabá.

Há até quem diga que a definição de Rondon a respeito de um centro geodésico não era a clássica e geográfica. Por exemplo, vejam a opinião de José Antônio Lemos dos Santos, de Cuiabá:

O Centro Geodésico não tem nada a ver com medições prévias. Ele foi um ponto estabelecido pelo marechal Rondon para ser o referencial básico para sua missão de elaborar o primeiro mapa do Brasil ao milionésimo, hercúlea tarefa que lhe havia incumbido o governo brasileiro. Então, ele é um marco ‘zero’ a partir do qual todas as medidas foram tomadas para a elaboração do mapa do Brasil. Estivesse ele lá em Roraima, ou no Rio Grande do Sul, suas medições tinham como origem o centro, aqui no Campo D’Ourique. Depois, esse mapa do Brasil serviu de referência para o mapa da América do Sul. Por isso, é o centro geodésico da América do Sul. (...)

Uma opinião mais interessante, a meu ver, era a do condutor turístico Esmael, que falou em Centro Geodésico histórico (o de Cuiabá, marcado por Rondon) e Centro Geodésico esotérico (o da Chapada dos Guimarães, marcado pela NASA, onde há um mirante e muitos turistas procurando discos voadores). A exploração de ambos os locais ajudaria a incentivar o turismo, portanto não tem por que brigar...

Mesmo tão perto de dois centros geodésicos, não visitei nenhum: faltou tempo. Mas achei interessante a explicação sobre Rondon, NASA e Caetano Veloso e coloquei esses pontos turísticos na minha lista de lugares por onde andarei futuramente. Mal sabia eu que já tinha visto outros centros geodésicos pelo caminho...

Foi um amigo que me explicou, dias depois, que a praça de Nova Xavantina (MT), marco zero da cidade, é um centro geodésico. Mais tarde descobri que o site da prefeitura de Barra do Garças (MT) também diz que a cidade encontra-se no Centro Geodésico do Brasil. E há ainda alguns sites que localizam o Centro Geodésico do Brasil em Palmas (TO).

Mas e aí, qual dessas afirmações está correta? Vejamos no mapa:



Parece que Cuiabá e Chapada dos Guimarães são mesmo boas candidatas ao ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico. Palmas também é uma boa candidata a centro geodésico do Brasil: parece estar no ponto equidistante entre a fronteira oeste, com a Bolívia, e o limite leste, com o oceano Atlântico. Mas Nova Xavantina e Barra do Garças? Essas não entendi direito. Para serem o centro geográfico do Brasil, só se for na orientação norte-sul.

O fato é que todo mundo quer trazer o centro para perto. E por que não? Nessas horas me lembro da frase que há na Praça do Relógio, na USP: NO UNIVERSO DA CULTURA, O CENTRO ESTÁ EM TODA PARTE. Lembro também de uma conclusão a que cheguei recentemente, no meio de uma especulação filosófica: qual é o centro de uma área ou um volume infinito? Na verdade, qualquer ponto pode ser o centro. Ou seja, o que se faz onipresente tem todos os pontos como centro. Inclusive eu, você, o bandido na cadeia ou o mendigo na esquina somos o centro daquilo que é onipresente.

Praça do Relógio, na USP: No universo da cultura, o centro está em toda parte


E assim prossigo com minhas viagens, sentindo que o centro está em todo lugar e que, portanto, encontrar meu centro é bem mais simples do que eu imaginava.