quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O Jardim Vermelho

Quando as pessoas falam sobre os atuais conflitos da comunidade USP em relação à presença da PM no Câmpus, dá a impressão de que é um assunto que começou agora, com a detenção de dois alunos que fumavam maconha. É um engano transmitido pela mídia. O confronto é antigo e um dos marcos ocorreu em 09/06/2009, conforme se pode notar em vídeos como este (e outros que vocês podem encontrar no Youtube):



Pois então, foi na noite de 09/06/2009 para 10/06/2009 que tive um sonho muito simbólico, que acabei transformando num conto. Tentei publicá-lo algumas vezes. Uma dessas tentativas foi na revista "Originais Reprovados", que tem o objetivo de publicar poesias e contos de alunos da USP. Ironicamente, o texto foi reprovado.

Sirvo-me, então, do Blog para manifestar sensações de mais de dois anos atrás, que voltam à tona com frequência agora, com os novos conflitos... Com vocês, baseado em um sonho real:

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O jardim vermelho







Quando o sol batia no jardim do seu Raimundo, as flores pareciam ainda mais encarnadas. Esticavam seus braços de folhas compridas e largas e sacudiam devagarzinho as corolas, cabeleiras ruivas dependuradas nas cabeças de sépalas. Os miolos laranja-avermelhados, com sementes achatadas e pintadas como as de um girassol, lembravam rostos.

Todas as manhãs, seu Raimundo passeava por entre as plantas. Ninguém o avistava quando ele se embrenhava na multidão de caules. Elas mediam entre um metro e meio e um metro e oitenta de altura e seu Raimundo conversava com elas de igual para igual, sem precisar sequer abaixar-se para olhá-las nos olhos: bom dia, dona Margarida! Bom dia, Gerânio! Rosinha, como vai? As flores sorriam e coravam, tornando ainda mais vivo o vermelho que lhes era inerente. Seu Raimundo alimentava-as e regava-as gentilmente. Saía revigorado, enquanto as flores permaneciam, cada vez mais humanas. Qualquer Homo sapiens que visitasse o jardim reconhecê-las-ia como suas semelhantes. Inalando o perfume suave de seiva com néctar, poderia sentir que tinham alma, vida, personalidade e voz.

Como gritaram as flores naquela tarde de junho! O inverno já se aproximava, fazia-se sentir no ar seco e temperatura instável, mas o sol ácido do meio da tarde vinha lembrar que ainda era outono. Derramava nas flores seus raios alaranjados e o reflexo dava a impressão de labaredas no matagal. As plantas gostavam do sol e alegremente empenhavam-se em converter gás-carbônico em açúcares, liberando oxigênio através do verde de que vitalmente suas células se tingiam, ao mesmo tempo em que as faces ruborizadas seduziam pequenos insetos, responsáveis pelo correio-elegante que alcançaria seus objetos de desejo, que poderiam morar a alguns metros de distância. Ou seja, distraíam-se com seus assuntos naturalmente vegetais, quando a primeira granada explodiu.

Subiu fumaça com grãos de terra, folhas rasgadas e pétalas arrancadas. As outras flores todas se assustaram e teriam corrido se não fosse pelas raízes, que jamais souberam desprender-se do chão. Outra granada, pétalas escorriam em gotas de sangue e o barulho da explosão machucava até quem estava distante. Logo mais já se ouviam rajadas de metralhadora.

Seu Raimundo ouviu os tiros e gritos apavorados das suas plantinhas vermelhas. Correu para a janela e não entendeu direito a confusão armada em seu quintal. Soldados com escudos e capacetes e coturnos cercavam o jardim, sempre em trios: um na frente, dois na retaguarda. Andavam meio que agachados e as fardas camuflavam-se nos talos e folhas. Violentamente batiam e atiravam e explodiam tudo ali, ao mesmo tempo em que se escondiam por detrás dos escudos, prevenindo-se quanto à certa e iminente retaliação das plantas. Seu Raimundo correu até lá, dando de cara com o peito estufado de condecorações de um general. Dois comparsas estavam enganchados em seu uniforme, como carrapichos, apontando fuzis para seu Raimundo.

- Afaste-se!
- Afastem-se vocês do meu jardim! Que é que vocês estão fazendo nas minhas flores?
- Não interessa! São ordens superiores.
- Ordens de quem?! Esta propriedade é minha! Fui eu que plantei tudo aqui!
- Cala a boca, ou o senhor vai se encrencar! Quer dizer que o senhor é o líder do exército comunista?
- Comunista?! Que comunista?!
- O senhor acha que somos tontos! Que fantasiar todo mundo de flor engana a gente! Não é, seu Raimundo?!
- Fantasias?! As flores são reais!

Um dos carrapichos do general apontou para seu Raimundo o fuzil.

- Sai daqui, seu Raimundo! Não vai querer se encrencar mais ainda! Vai pra casa! Já!

Seu Raimundo voltou para casa, sem opção. Chorava de raiva, de humilhação, de luto. A esposa estarrecida na janela.

- Que é que eles tão fazendo, Raimundo?
- Combatendo nosso exército comunista.
- Credo! Pensei que um negócio desses só acontecesse com moinhos de vento!
- Pelo menos os moinhos podiam se defender...
- E agora, o que a gente faz?
- Há algo a ser feito? Infelizmente, só nos contos é que as flores vencem os canhões.

Fechou as cortinas e tapou os ouvidos até o anoitecer.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MINHA POSIÇÃO COMO ALUNA DA USP (há 9 anos...)

1. Nunca usei maconha. Nem experimentei.

2. Acredito que a USP fica dentro do Brasil e do Estado de São Paulo e deve seguir as leis nacionais e estaduais.

3. Acredito que quem não concorda com as leis deve discuti-las e lutar por mudanças. Sem ferir a liberdade das outras pessoas, claro.

4. Sou contra o uso de maconha dentro do câmpus, pelo menos enquanto ela não é legalizada. Até porque, caramba, não dá pra ficar alimentando o tráfico e ao mesmo tempo lamentando as guerras nos morros cariocas...

5. Sou a favor da legalização da maconha. Sim, minha gente, vamos parar de alimentar o tráfico!

6. Sou contra invasões da reitoria. Isso fere a liberdade de quem quer continuar trabalhando.

7. Sou contra a militarização do Câmpus. Alguém conhece alguma universidade particular em que a PM fique lá, constantemente? Eu não conheço. Aqui na UFABC, que é pública, eu também nunca vi PM, e não considero que é um local pouco seguro.

8. Sou a favor de aumentar o contingente e o treinamento da Guarda Universitária; de melhorar a iluminação do câmpus; de colocar mais circulares internos circulando pelo câmpus; de intervenções psicossociais em grande escala nas comunidades vizinhas, usando a mão de obra subaproveitada dos estudantes de graduação e de pós, para aumentar a segurança a partir da efetivação da educação e da saúde.

9. Sou a favor de que os estudantes lutem por melhor treinamento e melhores salários dos policiais em todas as eferas, visto que eles apenas perpetuam na USP o que vêm fazendo fora dela (sem maiores repercussões).

10. Sou a favor de maior democracia. De assegurar a estudantes e servidores não-docentes o direito ao voto. Do Governador do Estado parar de invalidar a democracia ao escolher o segundo (ou terceiro!) colocado da lista tríplice. De que as decisões referentes à Universidade sejam discutidas com a Comunidade, em vez de baixadas por decreto.

11. Sou contra a hierarquia universitária, em que títulos como Dr., PHD, Professor Titular, etc. têm definido aqueles que ocupam os cargos de Direção, mesmo que o ser que está por detrás do título adquirido como pesquisador não tenha nenhuma habilidade como gerente.

12. Sou a favor da criação de uma forte imprensa de esquerda, que faça frente à forte imprensa de direita com que estamos acostumados a lidar. Sim, porque imprensa imparcial não existe, bem como não existe psicólogo imparcial. E os conceitos de esquerda e direita são relativos. Refiro-me a algo como imprensa yin-yang.

13. Pergunto-me em qual dos grupos me encaixo, toda vez que vejo aquela fotinho compartilhada no Facebook que divide alunos da USP em duas categorias. Pergunto-me se temos como classificar seres humanos em categorias (principalmente elegendo apenas duas).

14. Pergunto-me se há outros alunos, funcionários não docentes, funcionários docentes, outros membros da comunidade USP ou de fora dela que compartilham das minhas opiniões. E se é possível se articular e criar outro grupo, não para mero efeito de classificação, mas sim de ação. Mas não creio muito nisso, porque se essas pessoas existirem, provavelmente estarão ocupadas com outros afazeres, como pesquisa, trabalho, ações em outras áreas. Assim como eu.

Concluindo: manifesto aqui que não me sinto representada por nenhuma das vozes que falam em nome dos estudantes da USP. E que por falta de melhor veículo de expressão, estou usando as redes sociais.

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Links inspiradores:

Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP

Uma aula de crise

Desabafo de quem tava lá [Reintegração de Posse]