Maurinho parecia não ter medo de uma coisa, nem de outra. Fazia trilha de bermuda e chinelo. Disseram-nos que ele anda no mato como um índio, sem sequer deixar rastro. Nunca o vi ter medo de cobra, inseto, onça ou qualquer outra coisa. Também não tem medo de gente, como fica claro nas histórias que ele conta sobre suas atuações em fiscalização ambiental. E não tem medo da selva de pedra, pois já esteve em São Paulo e não obedeceu aos conselhos de seu amigo, que recomendou que ele trancasse a janela do quarto ao dormir em uma casa nas quebradas de São Mateus, e que não levasse sua sofisticada máquina fotográfica para passeios de metrô na Praça da Sé. Disse ele que o que tiver que acontecer, vai acontecer e pronto, então não vale à pena ter medo. Mas no meio de uma história sobre um lago dentro de uma caverna, confessou que tem medo de águas profundas e imagina que um bicho pode puxá-lo para baixo.
Bem, é claro que o elemento assustador não está no gafanhoto, nem na cobra, nem na onça, nem na caverna escura e fechada, nem no PCC, nem nas águas profundas... O medo está na gente, e a gente o coloca onde quiser. Geralmente, nosso inconsciente gosta de colocá-lo em elementos pouco conhecidos, como os animais selvagens para o homem urbano e a violência das facções criminosas para o morador de região rural.
E a gente sempre atrai aquilo de que tem medo, talvez para que se torne conhecido. Para nós, bichos de cidade, a natureza arma suas peças e se diverte às nossas custas.

Mas a história mais legal foi a da famosa Sra. J., que tinha medo dos gafanhotos. Enquanto ela esteve por lá, encontrávamos nuvens de gafanhotos por toda a fazenda, e os bichos batiam no rosto da gente, nas mãos, pernas, pés, nariz, olhos, acasalavam sobre a lona da nossa barraca, entravam nos copos de suco e nas panelas de sopa, pulavam no nosso prato de comida e a gente simplesmente tirava os gafanhotos e continuava comendo. A Sra. J. passava o tempo todo assustada e dizendo: "mamãe! mamãe!", enquanto dava saltinhos. Ela partiu aos primeiros raios de sol de segunda-feira. No jantar do mesmo dia, praticamente não víamos gafanhotos na cozinha. Pensando melhor, eles haviam sumido da fazenda toda. Pareciam ter se recolhido na selva. E o saci-pererê dormiu satisfeito lembrando de sua travessura, com a sensação de missão cumprida!
Imagem: André Koehne (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Saci_perere.jpg)