terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ubatuba

Quando meu pai me convidou para passar um final de semana em Ubatuba, entrei num drama interno (incrível minha capacidade de complicar as coisas emocionalmente). Claro que praia é um atrativo. Claro que a oportunidade de passar um tempo com meu pai (distante!) é um atrativo. Mas eu ficava arrepiada só de pensar em entrar na casa de praia, onde passei muitos dias felizes na infância e terríveis na adolescência.

Lázaro


De fato, a viagem trouxe uma enxurrada de lembranças muito boas e muito ruins. Já na serra me lembrei de me enrolar feito uma bolinha no banco de trás do carro (junto com meu primo Artur) e deixar o corpo ser levado pra lá e pra cá nas curvas todas, enquanto gritávamos OOOOOoooooooooouuuuuuuuuuUUUUUU!

Na casa de praia descobri que sabia ler, no colo do tio Marquinhos, na rede, as manchetes de jornal. Aprendi e me especializei em buraco, truco e cacheta. Brinquei muito com os primos e saí nos tapas (mordidas, puxões de cabelo...) com ele muitas vezes, dando trabalho pra vó. Cantei, dancei e batuquei sambas antigos, música sertaneja ou bossa nova com papai, tio César, vô Felão. Acampei no quintal com os amigos. Passei muita raiva quando as brigas familiares começaram a ficar mais frequentes que as risadas. Numa dessas brigas, saí de casa antes da ceia de ano novo, sumi pela praia, tomei umas caipirinhas, voltei de madrugada e levei bronca no dia seguinte por ter desaparecido. Decidi que nunca mais voltaria para aquela casa e o nunca mais durou oito anos, que se encerraram nesse final de semana. Quebrar a promessa, o orgulho, enfrentar os medos, traumas, mágoas... Por que não?...

Sununga

A casa mudou um pouco. Grama aparada em vez de matagal na frente. Ardósia no lugar do piso vermelho-tijolo. Uma grade na porta para dificultar assaltos. Uma cama de casal ocupa o espaço onde antes havia um beliche. Mas outros dois beliches ainda estão lá e me lembrei de pular de cima deles para fugir do gato-mia (miaaaauuu!).

As ruas estão iguais, com os mesmos buracos, as mesmas casas interessantes. A praia do Lázaro está igual, ainda tem o Bar da Rose, o do Pica-Pau. Eu já tinha esquecido da cor linda do mar e das serras, de como é gostoso andar até a Domingas Dias e a Sununga (que tem gruta que chora!). Pisar na areia, deitar na areia, o corpo em contato com a Terra. Água muito gelada, mas não senti frio depois de duas caipirinhas. Cheiro úmido de mar, de peixes. Senti falta dos pernilongos, encontrei apenas um, o que aconteceu?! E o barulho dos grilos a noite toda, cadê?!

Domingas Dias


Claro que nem tudo é passado, há novidades. Passar um final de semana inteiro com meu pai, isso é novo. Conheci um rapaz que vende artesanato, legal trocar ideias com quem leva uma vida tão diferente da minha (e ao mesmo tempo parecida). Comi caldeirada pela primeira vez. Joguei frisbee pela primeira vez, a atividade física não me incomodou (geralmente eu recusaria).

Senti um relaxamento gostoso pelo contato com praia, mas a viagem foi muito mais psicológica desta vez. E ainda continua dentro de mim. Não sei quando vou querer voltar lá de novo, mas talvez a relutância seja menor, porque ao encarar os monstros, eles parecem menos feios.

3 comentários:

Gabi disse...

Nunca tive coragem de expor tão abertamente esses sentimentos. Sempre fiquei com medo do que pensariam de mim...
Fico feliz por saber que não sou só eu... Que há mais alguém tentando varrer as neuroses, transformar o lixo em arte, olhar para os monstros familiares com mais carinho.
Fico menos sozinha, assim... :-)

Cake disse...

Sabe estive lendo seu blog mais uma vez, pensei na minha própria vida, na minha infancia, em quando minha avó tinha casa também em Ubatuba. lembro da gruta que chora, que diziamos que era a gruta da minha prima, pq ela vivia chorando, lembro que tinha uma casa com leão de verdade...Mas a gente cresceu, meus pais também se separaram e ja se passam 18 anos disso, mas nunca mais passei um fim de semana com meu pai, nunca mais fiz parte da vida dele, agora ele tem outra família, e eu acho que eu não caibo mais dentro dela...

Unknown disse...

Tá aí!!!! Gabi,

Pra mim essa nossa viagem à Ubatuba foi uma grande matodora da saudade que sinto de você e de todos os momentos felizes que já passamos juntos na Casa da Praia.
Assim como você, também tenho muitas recordações (mais boas que ruins) de lá, desde a minha adolescência, quando ajudei o véio Vô Felão a construí-la, tijolo-por-tijolo e das longas conversas que tive com um grande filósofo das coisas da vida, que foi meu avô Rocha (os conselhos que ouvi dele, nas areias do Lázaro, busco segui-los até hoje).
Na nossa Casa da Praia, quando deito para dormir, fico tentando me lembrar por onde passam os fios elétricos que eu instalei, sob a supervisão do Vô Felão.
Foram momentos também felizes, com muita caipirinha, violão e conversa fiada com meu Pai e os meus tios (irmãos do Vô Felão).
Sobre esse nosso final de semana na praia, foi muito bom ter você por perto, conversar e rir, como fizemos.
Quanto aos fantasmas do passado, descobri que eles não resistem à luz das boas conversas e boas recordações. E acendemos muitas luzes nesse nosso final de semana, não foi?
Então, quando voltamos à Ubatuba?
Essa viajem me deixou um intenso gosto de quero mais.
Um beijão do Pai.