quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Crematório

Eu deveria estar finalizando o relatório da CAPES, mas enquanto não despejar o sonho em algum lugar, não funciono...



Com o coração acelerado, eu entrava na escola em que cursei o Ensino Médio. O prédio estava um pouco mudado... parecia mais um shopping. Adolescentes andavam juntas, usando uniforme: bermuda verde e camiseta amarela. Estranhei... no meu tempo não se usava uniforme neste colégio. Mas logo percebi que, na verdade, era o figurino característico de um time de futebol de salão. Dei risada, lembrando do quanto eu odiava as aulas de educação física e qualquer coisa que remetesse a esportes.

Eu já havia entrado naquela escola muitas vezes como aluna, mas era a primeira vez que entrava como profissional. Um porteiro cochichou comigo, explicando que havia uma audiência numa sala de aula do terceiro andar. Três famílias estavam sendo processadas, "e todos sabem que são inocentes, mas como tem muito filhadaputa no mundo, resolveram meter processo...".

Subi para acompanhar. Em uma sala de aula, as famílias se reuniam com profissionais do Fórum. Bem no centro da outra, havia uma estante cheia de livros e três homens, um negro e dois brancos, colocavam sobre ela mais alguns volumes. Uma moça surgiu na sala, retirando do corpo as jóias de ouro: "tomem, preciso entregar isto também". Tratava-se da execução da sentença, apreendendo objetos das famílias acusadas. As jóias seriam recolhidas e devolvidas ao final do julgamento, em caso de absolvição, mas os livros seriam queimados ainda naquela tarde. A jovem que entregava as jóias parecia ter cerca de 18 anos, era alta, meio cheinha, cabelos pretos cacheados, bonita. Eu sabia que ela se chamava Bruna. O senhor que recebeu as jóias sussurou: "você não deveria me entregar, não precisava... poderíamos fingir que já está tudo aqui.". Mas ela disse: "Não importa, quero fazer tudo dentro da lei. Vou reaver as jóias quando terminar o processo e provarmos que somos inocentes". O homem prendeu colares e pulseiras num tubo, de forma que os fechos engancharam lá dentro, mas os pingentes ficaram pendurados para fora. Pendurou o tubo num gancho de parede.

Nesse momento, começou uma cerimônia. Dois homens e uma moça acomodavam os livros na estante, derrubando-os para que ficassem na posição horizontal, preparando-os para serem queimados. Trechos de música soavam e, em seguida, eles derrubavam mais uma parte dos livros. Isso aconteceu três vezes. Uma das músicas me tocou profundamente e fiquei me contendo para não chorar. Então, o homem negro que fazia o papel de carrasco dos livros me abraçou, em prantos. Compreendi que a música havia tocado a ele também, e lembrei que isso acontecia por causa de uma conversa que tivemos dias antes... Mas as pessoas não sabiam dessa conversa, não sabiam sequer que eu conhecia aquele homem e olhavam para a gente com olhares curiosos e, talvez, um pouco recriminatórios.

Então ele me soltou, jogou álcool sobre os livros e pegou uma caixa de fósforos. Senti que era tudo muito absurdo, uma condenação sem julgamento, a execução de uma sentença irretornável sem que as famílias tivessem tido oportunidade de defesa. E queimar livros me parecia ainda mais absurdo, como é que se queima o conhecimento assim, sem mais nem menos? Como se eu estivesse assistindo a um filme, pensei com todas as forças: "Não é possível... não vai terminar assim... alguma coisa tem que acontecer! vai acontecer alguma coisa... por favor, alguma coisa..."

Salva pelo despertador.

Um comentário:

Tania regina Contreiras disse...

Ah, sonhos...adoro-os, por que será que gosto tanto? Sonhos parecem poemas, com algo a se decifrar sempre, explícito nunca, sobra sempre uma ponta escondida...então são sonhos.
Beijos,