Amora, para mim, lembra muito a Escola Cooperativa Curumim, onde estudei dos quatro aos sete anos de idade. Era uma chácara, as salas de aula eram chalés, tinha um pomar e uma amoreira belíssima. Eu e meus amigos gostávamos de subir na amoreira durante o recreio, ficávamos com a boca e os dedos roxos, sem contar as roupas.
Esse lugar em que paramos era a sede da fazenda onde fica o Rio do Ouro. Obtivemos permissão para prosseguir e continuamos andando de carro, agora pelo meio dos pastos, e até por cima de rochas. Por fim, chegamos a um lugar onde Maurinho disse que poderíamos estacionar e seguir a trilha a pé.
Logo vimos a nascente. Fomos descendo por trilhas e pedras, até chegarmos em um dos locais mais impressionantes que já conheci. As fotos não mostram muito bem o panorama, então fiz um vídeo (muito amador, é claro), que anexo a seguir.
O solo parece lunar, de tantas crateras. Na verdade, creio que as rochas são magmáticas de formação relativamente recente, e os geógrafos e geólogos (Samuel?!) me corrijam se eu estiver errada. A cachoeira corre pela fenda entre as pedras, caindo num abismo e continuando, lá embaixo, o rio. Mais à frente, a água forma uma represa natural, um lago calmo e de água transparente. Mesmo nas regiões mais profundas, é possível enxergar a terra por baixo da água. No outro lado do lago, uma pequena praia de areia.
A água é simplesmente deliciosa. O lago é bastante profundo em alguns pontos, não consigo imaginar o quanto, mas acho que caberiam duas ou três de mim empilhadas e submersas. Maurinho nos conduziu pela fenda, o local por onde corre a água que cai das cachoeiras. Claro que nesse ponto, não era possível levar a máquina fotográfica, a menos que eu tivesse capa a prova d'água. Uma pena.
Lago visto de cima
Fomos adentrando pelo meio das rochas, ora nadando, ora subindo pelas pedras. Em alguns pontos, encontramos lindos peixinhos. Em outros, aranhas gigantescas subiam pelo paredão de pedra. Não costumo ter medo de aranhas, mas fiquei bastante atenta para não encostar acidentalmente em nenhuma delas.
Outras pessoas do grupo estavam conosco, inclusive uma das senhoras. Achei bastante interessante quando ela perguntou: "mas espera aí, isso não é o trabalho?". Maurinho respondeu: "isso também é o trabalho!". Mas ela se referia às orações, que seriam feitas na parte rasa do lago. E acabou retornando para lá, pouco depois. Achei engraçada a pergunta, porque do meu ponto de vista, tudo é "o trabalho". O que está fora é como o que está dentro, e entrar em trilhas desconhecidas me coloca em contato com o meu Eu, tanto quanto orar. Mas orar me põe em contato com algo conhecido, enquanto entrar em fendas de pedra por onde correm águas de cachoeiras me põe em contato com o desconhecido. Bem, por isso mesmo é que dá medo, certo? Não importa, o gosto da aventura e da descoberta superaram qualquer receio que eu pudesse estar sentindo.
Em um ponto bem adiante, Maurinho nos mostrou que a pedra formava uma caverna. Havia uma janelinha, por onde ele entrou. Eu era a próxima da fila, mas cavernas são meu ponto fraco. Percebi que a altura era tal que Maurinho conseguia ficar em pé, e ainda sobrava um vão entre a cabeça dele e o teto rochoso. Percebi que era bem arejada. Mas não me senti pronta para enfrentar os sentimentos claustrofóbicos, principalmente considerando que depois que as outras pessoas entrassem, eu não iria conseguir sair rapidamente, se precisasse. Fiquei na janela, olhando meus amigos, que destemidamente curtiam a nova descoberta. Interessante que na parte de baixo da caverna, havia um buraco submerso na água. Entrar por ali é praticamente impossível, por causa da correnteza, mas as pessoas saíram por lá, dando um pequeno mergulho, e imagino que essa sensação deve ter sido maravilhosa.
Voltamos para o lago, quase que sem esforço, porque a correnteza ia nos empurrando de volta. Os colegas que não sabiam nadar ou que por outro motivo não quiseram entrar na fenda nos aguardavam para o trabalho à moda deles. De mãos dadas, oramos, cantamos mantras e sentimos o contato com a água, com o sol, com a natureza. Legal também sentir o contato com o grupo, com as pessoas que estavam lá e que nos acolheram, sem preconceitos, em seu trabalho.
Lago visto de baixo
Ainda seria possível descer ao longo do rio, mas ninguém tinha lembrado de levar comida e todos estavam com fome. O grupo decidiu voltar. Porém, quando subimos, Maurinho percebeu que faltavam algumas pessoas, que eram de outro grupo, também estavam conosco e haviam descido a trilha. Foi buscá-los e ficamos esperando lá em cima.
Sentei para ver a cachoeira e decidi meditar. Fiquei olhando para as águas, fui me tornando muito calma, tranquila, serena. Algumas imagens apareceram nos meus olhos, que a essa altura já estavam fechados. A luz do sol nas pálpebras formavam mandalas. Depois, vi algumas serpentes, ou seriam larvas? Esverdeadas, me lembravam um sonho que tive meses atrás... E uma voz me disse que o problema da ferida que tenho no pé seria "o apego à doença. Desapegue-se... deixe ela ir... como as águas, como a cachoeira, deixe fluir...".
Retornamos à fazenda, compartilhamos novamente de uma boa refeição vegetariana, no meio dos gafanhotos e besouros, que surgiam em grandes nuvens. Estávamos bastante cansados, mas também alegres, serenos. Senti que se ainda havia em mim algum traço da habitual ansiedade, ele dormiu naquele dia e só acordou vários dias depois. E findou o segundo dia aos pés do Roncador.