terça-feira, 26 de outubro de 2010

Rio Branco

Esta é a quarta vez que venho para o Acre. São Paulo – Rio Branco foi minha primeira viagem de avião, em 1991, com sete aninhos. Depois voltei em 1996, 1998 e agora, 2010, após doze anos. As viagens para Rio Branco são parte importante da minha biografia. Foi a primeira experiência de estar muito longe de casa e sem mamãe e papai. Minha última passagem por aqui foi aos 14 anos. Iniciação à adolescência, aprontando por aí acompanhada dos primos um pouco mais velhos. Na época, a gente curtia as baladas na boate Imperador Galvez, os banhos de madrugada nos açudes do Quinari (cidade pequena, pertinho de Rio Branco, que tem o nome oficial de Senador Guiomard), tardes inteiras jogando Super Nintendo, conversar e andar de bicicleta e patins pela rua.

No meu primeiro dia em Rio Branco, o termômetro me deu as boas vindas.

Claro que agora tudo é diferente. A Imperador Galvez virou um hotel, ninguém mais vai nadar no Quinari, o Super Nintendo foi substituído por Play Station e não há mais tempo para passar a tarde jogando, bicicleta virou meio de transporte (superado há muito tempo pelos carros) e patins... não vi nenhum! Até a praça que tinha os halfs, perto da casa da tia, não existe mais.

Fui sentindo as mudanças desde que saí de Cuiabá. O avião é diferente. Naquele tempo eram sempre aviões grandes, não existiam esses voos domésticos pequenos. Foi emocionante ouvir o ronco das hélices a cada manobra! Sobrevoando Rio Branco, embora fosse de noite, já percebi a diferença só pelas luzes da cidade. Pareceu-me maior em extensão, avistei mais pontes do que as que eu conhecia sobre o Rio Acre, havia prédios altos (quando eu vim, o único prédio “alto” era o Banacre, de uns cinco andares) e até o aeroporto estava em outro lugar. O antigo aeroporto foi desativado, dando lugar a outro muito mais moderno, que tem até esteira elétrica para as bagagens, em vez do balcão onde os carregadores tacavam as malas de qualquer jeito. Mas dizem que como está no meio da floresta, tem havido muitos problemas com as chuvas.

Ao dormir, outra surpresa: deixei a janela aberta e nada de carapanãs (pernilongos). Dizem que é porque a estação de chuva ainda não chegou... Agradeço, porque uma cidade que me recebe com 32 graus às 11h da noite tem mesmo que me deixar dormir de janela aberta.

Um bonito pôr do sol na beira do açude

Mas foi no dia seguinte que pude ter noção do tamanho da mudança. Saí para andar sozinha, como fiz em todas as cidades pelas quais passei até agora. A primeira impressão é sempre a mais marcante...

A rua onde fica a casa da tia e a da prima foi maquiada com asfalto por cima dos tijolos. Sim, o calçamento dos bairros era de tijolo. Diziam que era porque o asfalto derretia e não havia pedras por perto para fazer ruas de paralelepípedo, como temos em São Paulo. Quando parti do Acre para São Paulo em 1998, ganhei um pedaço de tijolo de presente dos amigos que fiz durante as férias. “Este presente é para você sempre se lembrar da nossa rua...” Deu certo, eu lembro bem e, aliás, o tijolo ainda está guardado. Mas a rua, só se sabe que foi de tijolos porque o asfalto está roto em diversos trechos, revelando o calçamento vermelhinho que é a verdadeira identidade do pedaço.

Há em Rio Branco um certo esgoto, chamado antigamente de “canal da maternidade”. Corregozinho fedorento. Agora plantaram grama ao redor do córrego, construíram uns arcos e colocaram uma placa: Parque da Maternidade. Mas continua escuro e fedorento como antes.

Ponte sobre o Rio Acre, que há muitos anos não ficava tão baixo

O centro está simplesmente irreconhecível. Cadê os casebres de madeira, os índios pedindo esmola no semáforo? Os prédios públicos foram reformados, a praça não tem mais árvores. O mercado velho foi reformado e também ficou novo. O Rio Acre, que só tinha a ponte velha (de metal) e a nova (de concreto), agora tem umas cinco pontes, inclusive algumas com estaios. Atravessei pela ponte de pedestres (dessas novas que fizeram) até a Gameleira, bairro dos mais antigos da cidade. As casinhas de madeira estão todas reformadas e coloridas. Mas cadê aquele monte de palafitas que ficava naquela altura do rio? Sobrou apenas meia dúzia de casinhas, o resto desapropriaram e demoliram.

Aliás, palafita no Rio Acre não tem razão de ser ultimamente. Nunca vi o rio tão baixo. Lembro das grandes balsas que passavam por lá, transportando gente e mercadoria. Jamais poderiam circular agora. Uns dizem que são as mudanças climáticas, outros dizem que é o assoreamento. Deve ser os dois.

Aproveitei a breve passagem por Rio Branco para matar as lombrigas: comi açaí (o da região norte é bem melhor que o do sudeste) e tacacá. Acho que tacacá precisa de explicação... É um caldo feito com folhas da região amazônica, camarão e goma (algo transparente e pegajosos feito de mandioca). Deixa a boca adormecida e formigando. Mais explicações na Wikipedia.

Tacacá

Visitei muitos museus, alguns que eu já conhecia (mas mudaram, como tudo na cidade) e outros que não existiam em 1998. Os guias me explicaram toda a história do Acre, que eu já conhecia mais ou menos de tanto conversar com a tia e os primos. Um dia ainda farei um post para contar a história do Acre. Por enquanto basta dizer que a região pertencia em parte à Bolívia e em parte ao Peru e foi anexada após muitas batalhas. Outras lutas foram necessárias para elevá-lo de território a estado. Tem também a disputa pelos territórios com os índios, pois 14 etnias moram no estado (cabalístico, não?). Quase tudo na história do Acre parece ser uma busca por independência e autonomia. Disseram que até o 2º Distrito (região na margem do rio oposta ao centro) estava querendo se tornar uma cidade independente, tempos atrás.

Estava acontecendo um evento interessante no parque Horto Florestal, a feira Panamazônia, com artesanato de várias regiões da América Latina. Nos letreiros, estava escrito: Peru, Bolívia, Guatemala, Acre, ... Peraí, Acre em vez de Brasil?! Sim, parece que eles já estão querendo se tornar um país independente. ;-) Na Panamazônia tive a oportunidade de ver o Heloy de Castro tocar ao vivo. Um grande cantor e compositor nascido em Minas Gerais, mas mora em Rio Branco há uns quase 30 anos e suas músicas retratam um pouco do espírito da região. Procurem no YouTube para saber mais...

Enfim, impressionou-me a quantidade de mudanças em Rio Branco, algumas boas e outras ruins, mesmo considerando que se passaram 12 anos. Mas dá perceber que a maior parte delas é superficial, uma espécie de maquiagem. Saindo do centro, continuam existindo casebres, mendigos, bêbados, lixo, urubus rondando o lixo. Mas há uma mudança mais difícil de maquiar: a das pessoas. De um modo geral, achei-as menos abatidas, mais felizes, um pouco mais educadas, mais bonitas até... Percebo que Mato Grosso e Acre desenvolvem-se rapidamente, muito mais que São Paulo e Minas Gerais. Parece que o futuro está, de fato, indo para o norte do país.

12 comentários:

Marina disse...

45ºC??????????????????????????????

Fernanda disse...

Hummmm...
Acho só q faltou vc dizer que o Centro da cidade está mto bonitinho, mas... nossa velha periferia é a mesma... rs.
As palafitas ainda podemos ver nos bairros pobres, como o Taquari (é, não dá pra te levar lá, pq sua câmera digital ficaria de pedágio.. hehehe) e os índios "pidonoás" (pedintes das ruas) foram retirados pela Prefeitura, pois "enfeiavam" o centro da cidade.
Rio Branco mudou muito, concordo, mas grande parte foi uma bela maquiagem.
Vc teve, com certezas, grandes impressões sobre essas mudanças, pois onde vc ficou é bairro central, porém, a "pobraiada" ainda vive na mesma "pioria".
Agora... o esgoto do Canal da Maternidade (agora Parque) ficou bem legal o relato... só faltou vc colocar aquela fotinha de vc sentada na boca da bueira.. hahaha.
Bjão, Gabi!
Espero notícias de Cusco.

Fernanda disse...

Ah!
E a foto do pôr do sol não é num rio... é num açúde!
Isso... açúde é como chamamos os lagos aqui.
:D

superwall13 disse...

O Acre existe ?? Ô.Ô
http://tinyurl.com/3574wf3

Gabi disse...

Respondendo: sim, Marina, 45 graus célsius! Acho que você morreria num tempo desses, né? Rs...

Wall, se o Acre não existe, pelo menos a ilusão foi bem montada, nas quatro vezes em que estive lá! :-)

Nequilda, eu cheguei a falar no post que a mudança é uma espécie de maquiagem, que ainda existe casebre, lixo, gente pobre e urubu por lá. Os índios, esses eu até lamentei não ter visto. Queria saber o que a prefeitura fez com eles... É fácil tirar a pessoa dum lugar, difícil é colocá-la em outro melhor.

No fundo, o que fizeram no Acre foi deixá-la como a maior parte das cidades grandes: bonita na parte turística e nos locais por onde passam os carros dos políticos e do jeito pobre e feio de sempre no resto da cidade. Mas já é um progresso, porque antes a cidade era inteira feia rs...

E tem razão, não é rio, é açude. Acho que foi a pressa e el soroche que me fizeram errar rs... E eu lembro desse nome, sim... Só que acho que açude é diferente de lago, não é? Quando a gente ia para o Quinari eu achava que açude = lago artificial.

A foto na boca do bueiro ficou legal mesmo, quando eu for contar a experiência do Acre com mais detalhes eu coloco lá rsrsrsrs...

Unknown disse...

Quando eu disse pra uns amigos "a minha irmã foi pro Acre" eles disseram "Que que ela foi faze la?!" ae eu disse "Ah eu tenho família la, tenho uns primos, uns tios, uns primos de segundo grau..." ae eles dissera "sei...Aham", eu:"po é sério!", eles:"Aham ta, ta bom..."
huahuahuahuahuahuhauahuahuahuahuahuahuahuahuahuahuah
Ninguém acredite que o Acre existe e ninguém acredita q eu tenho parentes no Acre por causa disso!

Fernanda disse...

Os "pidonoás" eles tiraram do Centro e jogaram eles em barracos na periferia... Se é pego mendigando, a FUNAI trata de jogar eles bem longe (até em outra cidade - Cruzeiro do Sul tem um montão).
É sacanagem, mas é o q fazem.
Do açude, existem os artificiais e os naturais. Equivale a lago sim.
No caso desse do Ipê, são todos naturais. Existem várias nascentes por alí.
Bom, vendo os comentários do Samu, agora mostra aí pro povo que existimos sim!
hahahahaha
Bjão

Daisy Padula Castro disse...

Gabi, respondendo ao Samu e aos seus amigos, não sei onde li, mas dizem que "longe é um lugar que não existe..." Por essa visão, acho que o Acre não existe mesmo. Quem sabe todos nós aqui somos fruto de um delírio coletivo.....
Por via das dúvidas, vou conferir melhor meu cartão de embarque quando for até aí. Assim, quem sabe, saberei onde estou. Se for ACRE mesmo, vou escanear e mandar para você. bjs

Gabi disse...

Tia Dé, "longe é um lugar que não existe" é uma frase do Fernão Capelo Gaivota, não é?

Creio que tenho ainda um cartão de embarque de Rio Branco para Cuzco. Vou escanear e postar qualquer dia desses por aqui, ok? ;-)

Beijos!

Unknown disse...

Olá queridos, sou acreana, da capital e sempre morei no Acre, parabéns e obrigada Gabi pela visita ao nosso estado, realmente em 12 anos mudou mto, foi o Jorge Viana ;D
Talvez já não seja mais tão calma como antes, mais ficou mto mais divertida, vc ja foi a expoacre? um feira de agronegocios que temos no estado, acontece em meiados de julho ou agosto, é muito legal, gostei de encontrar alguém que postou algo sobre o Acre, e que nem tudo no post é detonando com ele.
Qtos aos outros, por favor venham visitar o Ac para saber se existe ou não, e tenho toda certeza do mundo que irão gostar, parem de falar mal antes de conhecer ¬¬
Beijos querida Gabi :*

Julliabezerra@gmail.com

Tony Marle disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tony Marle disse...

Quando vier novamente aqui Acre nos avise para agente preparar um happy huor.

Obrigado por falar tão bem de nossa terra.