quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Lições sobre o medo

Muita gente tinha medo de muita coisa lá no Portal do Roncador: a Sra. J. tem medo de gafanhoto, outra senhora tem medo de onça, Daniel tem medo de cobra, eu tenho medo de lugares fechados (que por lá, se traduziam em cavernas). Sim, o cerrado tinha muitos elementos tenebrosos para nós, habitantes da selva de pedras. Mas para alguns habitantes da região, perigoso é viver em São Paulo. Perguntavam sempre dos ataques do PCC, que passavam com frequência nos telejornais, e me pareciam imaginar que basta você sair na esquina de casa para ser assaltado, ou sequestrado para roubarem seus rins.


Maurinho parecia não ter medo de uma coisa, nem de outra. Fazia trilha de bermuda e chinelo. Disseram-nos que ele anda no mato como um índio, sem sequer deixar rastro. Nunca o vi ter medo de cobra, inseto, onça ou qualquer outra coisa. Também não tem medo de gente, como fica claro nas histórias que ele conta sobre suas atuações em fiscalização ambiental. E não tem medo da selva de pedra, pois já esteve em São Paulo e não obedeceu aos conselhos de seu amigo, que recomendou que ele trancasse a janela do quarto ao dormir em uma casa nas quebradas de São Mateus, e que não levasse sua sofisticada máquina fotográfica para passeios de metrô na Praça da Sé. Disse ele que o que tiver que acontecer, vai acontecer e pronto, então não vale à pena ter medo. Mas no meio de uma história sobre um lago dentro de uma caverna, confessou que tem medo de águas profundas e imagina que um bicho pode puxá-lo para baixo.

Bem, é claro que o elemento assustador não está no gafanhoto, nem na cobra, nem na onça, nem na caverna escura e fechada, nem no PCC, nem nas águas profundas... O medo está na gente, e a gente o coloca onde quiser. Geralmente, nosso inconsciente gosta de colocá-lo em elementos pouco conhecidos, como os animais selvagens para o homem urbano e a violência das facções criminosas para o morador de região rural.

E a gente sempre atrai aquilo de que tem medo, talvez para que se torne conhecido. Para nós, bichos de cidade, a natureza arma suas peças e se diverte às nossas custas.

Uma senhora me contou que durante um trabalho de oração, sentiu um "bicho enorme" andar nas costas dela, e ardia muito. Ela ficou desesperada, pensando que bicho seria aquele, mas sem poder verificar, porque estava de mãos dadas com os outros membros do grupo, em plena oração. Ao final, pediu para verificarem o que era e encontrou uma minúscula formiguinha. Quando ela me contou, imaginei um saci-pererê escondido na copa de uma árvore, gargalhando sem parar.

Mas a história mais legal foi a da famosa Sra. J., que tinha medo dos gafanhotos. Enquanto ela esteve por lá, encontrávamos nuvens de gafanhotos por toda a fazenda, e os bichos batiam no rosto da gente, nas mãos, pernas, pés, nariz, olhos, acasalavam sobre a lona da nossa barraca, entravam nos copos de suco e nas panelas de sopa, pulavam no nosso prato de comida e a gente simplesmente tirava os gafanhotos e continuava comendo. A Sra. J. passava o tempo todo assustada e dizendo: "mamãe! mamãe!", enquanto dava saltinhos. Ela partiu aos primeiros raios de sol de segunda-feira. No jantar do mesmo dia, praticamente não víamos gafanhotos na cozinha. Pensando melhor, eles haviam sumido da fazenda toda. Pareciam ter se recolhido na selva. E o saci-pererê dormiu satisfeito lembrando de sua travessura, com a sensação de missão cumprida!


Imagem: André Koehne (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Saci_perere.jpg)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Rio do Ouro

No dia seguinte, fomos para outra trilha, a do Rio do Ouro. Saindo da fazenda e pegando a BR 158, seguimos por uma estradinha de terra na vila de Vale dos Sonhos, passamos do lado do cemitério e seguimos adiante. Subimos a montanha, continuamos rodando por mais uns bons quilômetros, até chegarmos a uma fazenda onde compramos mussarela fresca e comemos muitas amoras.

Amora, para mim, lembra muito a Escola Cooperativa Curumim, onde estudei dos quatro aos sete anos de idade. Era uma chácara, as salas de aula eram chalés, tinha um pomar e uma amoreira belíssima. Eu e meus amigos gostávamos de subir na amoreira durante o recreio, ficávamos com a boca e os dedos roxos, sem contar as roupas.

Esse lugar em que paramos era a sede da fazenda onde fica o Rio do Ouro. Obtivemos permissão para prosseguir e continuamos andando de carro, agora pelo meio dos pastos, e até por cima de rochas. Por fim, chegamos a um lugar onde Maurinho disse que poderíamos estacionar e seguir a trilha a pé.

Logo vimos a nascente. Fomos descendo por trilhas e pedras, até chegarmos em um dos locais mais impressionantes que já conheci. As fotos não mostram muito bem o panorama, então fiz um vídeo (muito amador, é claro), que anexo a seguir.


O solo parece lunar, de tantas crateras. Na verdade, creio que as rochas são magmáticas de formação relativamente recente, e os geógrafos e geólogos (Samuel?!) me corrijam se eu estiver errada. A cachoeira corre pela fenda entre as pedras, caindo num abismo e continuando, lá embaixo, o rio. Mais à frente, a água forma uma represa natural, um lago calmo e de água transparente. Mesmo nas regiões mais profundas, é possível enxergar a terra por baixo da água. No outro lado do lago, uma pequena praia de areia.

A água é simplesmente deliciosa. O lago é bastante profundo em alguns pontos, não consigo imaginar o quanto, mas acho que caberiam duas ou três de mim empilhadas e submersas. Maurinho nos conduziu pela fenda, o local por onde corre a água que cai das cachoeiras. Claro que nesse ponto, não era possível levar a máquina fotográfica, a menos que eu tivesse capa a prova d'água. Uma pena.

Lago visto de cima

Fomos adentrando pelo meio das rochas, ora nadando, ora subindo pelas pedras. Em alguns pontos, encontramos lindos peixinhos. Em outros, aranhas gigantescas subiam pelo paredão de pedra. Não costumo ter medo de aranhas, mas fiquei bastante atenta para não encostar acidentalmente em nenhuma delas.

Outras pessoas do grupo estavam conosco, inclusive uma das senhoras. Achei bastante interessante quando ela perguntou: "mas espera aí, isso não é o trabalho?". Maurinho respondeu: "isso também é o trabalho!". Mas ela se referia às orações, que seriam feitas na parte rasa do lago. E acabou retornando para lá, pouco depois. Achei engraçada a pergunta, porque do meu ponto de vista, tudo é "o trabalho". O que está fora é como o que está dentro, e entrar em trilhas desconhecidas me coloca em contato com o meu Eu, tanto quanto orar. Mas orar me põe em contato com algo conhecido, enquanto entrar em fendas de pedra por onde correm águas de cachoeiras me põe em contato com o desconhecido. Bem, por isso mesmo é que dá medo, certo? Não importa, o gosto da aventura e da descoberta superaram qualquer receio que eu pudesse estar sentindo.

Em um ponto bem adiante, Maurinho nos mostrou que a pedra formava uma caverna. Havia uma janelinha, por onde ele entrou. Eu era a próxima da fila, mas cavernas são meu ponto fraco. Percebi que a altura era tal que Maurinho conseguia ficar em pé, e ainda sobrava um vão entre a cabeça dele e o teto rochoso. Percebi que era bem arejada. Mas não me senti pronta para enfrentar os sentimentos claustrofóbicos, principalmente considerando que depois que as outras pessoas entrassem, eu não iria conseguir sair rapidamente, se precisasse. Fiquei na janela, olhando meus amigos, que destemidamente curtiam a nova descoberta. Interessante que na parte de baixo da caverna, havia um buraco submerso na água. Entrar por ali é praticamente impossível, por causa da correnteza, mas as pessoas saíram por lá, dando um pequeno mergulho, e imagino que essa sensação deve ter sido maravilhosa.

Voltamos para o lago, quase que sem esforço, porque a correnteza ia nos empurrando de volta. Os colegas que não sabiam nadar ou que por outro motivo não quiseram entrar na fenda nos aguardavam para o trabalho à moda deles. De mãos dadas, oramos, cantamos mantras e sentimos o contato com a água, com o sol, com a natureza. Legal também sentir o contato com o grupo, com as pessoas que estavam lá e que nos acolheram, sem preconceitos, em seu trabalho.

Lago visto de baixo

Ainda seria possível descer ao longo do rio, mas ninguém tinha lembrado de levar comida e todos estavam com fome. O grupo decidiu voltar. Porém, quando subimos, Maurinho percebeu que faltavam algumas pessoas, que eram de outro grupo, também estavam conosco e haviam descido a trilha. Foi buscá-los e ficamos esperando lá em cima.

Sentei para ver a cachoeira e decidi meditar. Fiquei olhando para as águas, fui me tornando muito calma, tranquila, serena. Algumas imagens apareceram nos meus olhos, que a essa altura já estavam fechados. A luz do sol nas pálpebras formavam mandalas. Depois, vi algumas serpentes, ou seriam larvas? Esverdeadas, me lembravam um sonho que tive meses atrás... E uma voz me disse que o problema da ferida que tenho no pé seria "o apego à doença. Desapegue-se... deixe ela ir... como as águas, como a cachoeira, deixe fluir...".

Retornamos à fazenda, compartilhamos novamente de uma boa refeição vegetariana, no meio dos gafanhotos e besouros, que surgiam em grandes nuvens. Estávamos bastante cansados, mas também alegres, serenos. Senti que se ainda havia em mim algum traço da habitual ansiedade, ele dormiu naquele dia e só acordou vários dias depois. E findou o segundo dia aos pés do Roncador.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Pássaro passageiro


Um pássaro passageiro,
um passo no espaço,
passeando,
eu peço.
Um ponto, um compasso,
eu passo.
Estou de passagem,
eu peco.
Meu pé descalço,
bagaço.
Muita bagagem,
bobagem.

Uma parte está lá,
estou partida.
Jogar outra partida?
Eu passo.
Estou de partida.
Cada encontro com outra parte
é um parto.
Por isso parto.
Busco um porto,
é perto?
Faz parte.

É fogo,
não dá folga
meu pé no fogão.
Precisa afago,
fogueira fagueira,
figueira, figa, fuga,
fé.

Medito no ardor,
conforto na dor.
Leite de pedra,
a unha da fera
raspando o pé
da montanha ferida.
Estou de férias.

O fogo que arde
neste fim de tarde
transmuta a Dor em Liberdade.

(É um parto.)

Um pássaro passageiro
comprou passagem,
um passo no espaço,
neste compasso
eu passo.
Estou de passagem...

Amén!

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

As primeiras lições do Portal do Roncador

No dia seguinte à nossa chegada a Barra do Garças, fomos ao Parque Nacional da Serra Azul, onde já estive em 2010. Lugar lindo, seja pela vista do alto da serra, ao lado do Cristo Redentor, ou pelas trilhas e cachoeiras. O tempo estava meio nublado, nem levamos a máquina fotográfica para a trilha, com medo de chover. Mas mesmo sem sol, o rio não estava gelado e pudemos curtir umas quedas d'água nas costas.

Na volta, custamos a achar um restaurante aberto. Tentamos novamente compreender o fuso horário, que é bem confuso (ver post explicando os horários na região do Roncador), e conseguimos concluir que era preciso atrasar o relógio em uma hora, pelo menos na maior parte das situações. Também concluímos que talvez os restaurantes fechem para o almoço. Visitamos um amigo à noite e decidimos, por fim, seguir para o pé da Serra do Roncador.

As formações rochosas características do início da Serra do Roncador

Nesse lugar muito especial há o Portal do Roncador, onde o Maurinho recebe viajantes de todos os cantos. Esse é um local que recomendo para algumas poucas pessoas. Penso que, para ir para lá, é fundamental preencher alguns requisitos. O principal é gostar de mato. Mas também é preciso que a pessoa não entre em pânico facilmente; não se importe com luxos como ventilador, ar condicionado, chuveiro quente, arrumadeira, camareira, copeira...; não se desespere com a presença dos insetos, mesmo que sejam muitos; não seja ansiosa a ponto de querer antecipar as situações que irá enfrentar, porque é preciso viver os momentos; não se importe com os longos silêncios, nem com o rebuliço das maritacas e com a sinfonia ininterrupta dos grilos e sapos durante a madrugada; não faça questão de bebidas alcoólicas quando sai para viajar, porque isso não é permitido no local; não tenha medo da profunda escuridão da noite... enfim, é preciso que a pessoa vá com vontade de permanecer alguns dias consigo mesma, do jeito que é, sem máscaras ou muletas.

Se você acredita que se encaixa nos requisitos, é muito fácil de achar o local. Basta seguir pela BR 158, no trecho entre Barra do Garças e Nova Xavantina. Passando o povoado de Vale dos Sonhos, a fazenda fica poucos quilômetros a frente, bem embaixo das formações rochosas inconfundíveis da figura acima.

Lá chegando, encontramos pessoas ligadas a um grupo esotérico, que estavam em retiro. Engraçado que faz cerca de um ano que encontramos pessoas desse grupo em vários locais. No final da tarde fizemos com eles um "trabalho", coisa que para eles parece que significa orar e para mim, significa caminhar pela trilha e entrar em contato comigo mesma, através da natureza.

A nossa casa

O grupo era bastante diversificado. Tinha homens, mulheres, pessoas mais jovens, mais idosas e até um incrível garoto. De forma geral, as pessoas caminhavam tranquilas. Mas a senhora J. parecia apavorada com o desafio, e não conseguia dar um passo sequer sem ser praticamente arrastada pelo guia ou por outra pessoa do grupo. Logo percebi que o que a impedia de prosseguir não era uma dificuldade física, porque bastava lhe dar a mão para que caminhasse sem problemas. A questão era a falta de confiança, o medo de ingressar na trilha, o pavor que sentia ao dar cada passo para o meio do mato e da montanha.

Outra característica inesquecível da senhora J. era o medo dos gafanhotos. Esses animais apareciam em nuvens pela fazenda, e batiam em nós o tempo todo: nas pernas, braços, rosto, olhos... com tanta força que compreendemos de onde tiraram a modalidade de kung fu louva-a-deus! Fora serem os bichos mais chatos que encontrei por lá, superando até mesmo os infelizes pernilongos, eles não mordiam e nem machucavam ninguém. Mas a senhora J. perdia a cabeça quando se aproximavam, dando engraçados gritinhos de "mamãe! mamãe!".

Claro que os gritinhos, as constantes paradas para descansar e as frequentes perguntas de "já estamos chegando? Falta muito?" incomodavam um pouco. Mas percebi em mim um pouco de admiração pela senhora J. Ela era a que mais estava se enfrentando naquele momento. Apesar de todos os medos e da idade avançada, se dispôs a entrar na trilha para fazer um trabalho. Acho que ela não sabe que o trabalho maior foi ter se enfrentado.

Eis que, no meio do caminho, nos deparamos com uma belíssima cascavel! Grande, rajada, vagarosamente deslizando por uma rocha. O guia Maurinho, que ia na frente, imediatamente nos pediu para parar. De longe, fiquei admirando a belíssima serpente, que parecia nem ter notado nossa presença. A essas alturas, se eu estivesse sozinha, certamente daria meia volta e iria embora para a fazenda, antes que ela resolvesse sentir o meu cheiro na ponta daquela língua flamejante. Mas Maurinho se aproximou, junto ao maravilhoso garoto, e tiraram fotos bem de perto. De longe, também aproveitei para tirar fotos, aproveitando o zoom da câmera. Em seguida, Maurinho fez algo que, do meu ponto de vista, é ainda mais espantoso: mantendo uma certa distância, atirou alguns pedaços de pau e pedras, com um certo cuidado para não machucá-la ou matá-la. Afinal, nós é que entramos na casa dela, e não ela na nossa, certo? Ele apenas derrubou a cobra da rocha, para o outro lado, e ainda olhou para ela com cara de deboche. Em seguida, mandou que passássemos pela trilha. Me borrando de medo, passei correndo e sem olhar para trás, nem para os lados.

A cascavel

Prosseguimos na trilha e passamos pela pedra popularmente chamada de "dedo de Deus". De perto, ela me pareceu um enorme obelisco, como se tivesse sido fabricada por mãos humanas. Lembra muito as construções em pedra feitas pelos incas, no Peru. Mas não paramos por lá, subimos mais um pouco, até uma pequena caverna.

Lidar com uma cobra, para mim, é coisa pequena perto de uma caverna. Tenho claustrofobia e quando chego em um lugar fechado, começo logo a pensar em um monte de bobagens: as paredes vão se fechar comigo dentro, vou morrer sufocada, algo vai obstruir a saída e vou ficar presa aqui dentro, vai ter um terremoto, etc. O grupo decidiu que aquele seria um bom lugar para o trabalho. Enfileiraram-se e dei um jeito de ficar bem perto da saída. Seguiram-se orações à Mãe Divina, os mantras... E participei da minha maneira. Todas as formas de se chegar à divindade são válidas, tudo depende da (in)consciência.

A descida foi por uma trilha um pouco diferente, algo que por lá se chama "risadinha". Não, não é um pequeno sorriso, é um caminho pela serra, íngreme e cheio de pedregulhos redondos, como se por lá já tivesse passado algum rio. E eu de papetes, tentando manter o equilíbrio sobre aquelas pedrinhas redondas! O sol já se punha, a trilha estava cada vez mais escura e algumas pessoas começavam a sacar as lanternas. Não tenho ideia de como a senhora J. desceu a trilha, porque eu estava muito preocupada em tentar não rolar de vez lá para baixo. Bati o traseiro no chão umas três ou sete vezes, grata por ele ser bem recheado.

Pôr do sol visto da risadinha

Por fim, chegamos à fazenda, onde tomei meu desejado banho frio e fui à cozinha compartilhar do jantar vegetariano feito pelo grupo. Jantar repleto de besouros e gafanhotos, que batiam no nosso rosto, pulavam para dentro dos pratos e das panelas, enquanto a senhora J. gritava: "mamãe!" e dava saltinhos, e eu sorria por dentro. Depois, fomos à nossa barraca, que já estava armada embaixo de uma mangueira e ao lado de alguns belíssimos cogumelos, cercada por besouros e gafanhotos que insistiam em bater fortemente contra a lona, em busca da luz da nossa lanterna. Foi a primeira noite ao pé da Serra do Roncador, em contato muito próximo com o solo. Escuridão, calor, uma excelente companhia ao meu lado e a sensação de que os músculos todos estavam relaxados. Boa noite, Roncador!

terça-feira, 27 de novembro de 2012

De Santo André a Barra do Garças

Desta vez, resolvemos fazer uma viagem de carro. Um pouco longa e cansativa, mas estávamos com vontade de pegar estrada, e na região do Mato Grosso para onde fomos, ter veículo próprio abre portas para muitas trilhas e cachoeiras. O caminho foi este aqui:



Para mais detalhes:


Exibir mapa ampliado

Saímos de Santo André dia 12 de novembro, umas 16:30. Fomos a São José do Rio Pardo, onde visitamos amigos. Pegamos trânsito, chegamos lá quase 22h. Comemos, dormimos. Inesquecíveis conversas enquanto andávamos de um lado para outro na rua em frente à casa, um de nós de pijamas (!). Passeamos pelo terreno da casa, repleto de árvores, animais, nascente, rio, pasto, vacas... uma espécie de prenúncio do que nos aguardava no Mato Grosso.

Algo me incomodou: a ferida aberta no pé esquerdo, que tenho desde os 11 ou 12 anos de idade. Dezenas de médicos e curandeiros de todos os tipos já examinaram e já fiz uma série de tratamentos. Tem épocas em que ela some, outras épocas em que volta com tudo, como agora. Conforme eu ia andando, sentia a ferida se abrir toda e vazar linfa e sangue, atraindo os mosquitos, que ficavam grudados numa meleca... Fiquei pensando em como faria as trilhas da Serra do Roncador, que são mais intensas. Mas melhor viver um dia de cada vez, certo? No fim das contas, a convivência com a ferida foi um dos elementos marcantes da viagem como um todo, mas isso é assunto para outra ocasião.

Logo após o almoço, seguimos o percurso. Por volta de 18h, paramos em um hotel em Uberaba. No dia seguinte, cedinho, estávamos de novo na estrada, determinados a atingir Barra do Garças, ou a chegar o mais próximos possível dessa cidade. Logo que acordei, ainda no hotel, me deparei com outro problema de saúde: a infecção urinária que me atacou uma ou duas semanas antes resolveu voltar. Tomei um comprimido de Piridium e peguei uma garrafa grande de água. Partimos com a condição de fazer muitas paradas para eu fazer xixi. Enfim, tenho a impressão de que mijei em todos os postos de gasolina que encontramos na estrada entre Uberaba-MG e Rio Verde-GO. Por sorte, depois do almoço, a situação já estava mais controlada e podíamos rodar até umas duas horas sem parar.

As estradas entre Minas, Goiás e Mato Grosso alternam trechos razoáveis com trechos ruins, em obras, com sinalização deficiente. Some-se isso ao fato de que a maior parte dos motoristas tem muita pressa e ansiedade, e quer chegar logo ao seu destino, a qualquer custo. Ultrapassagens perigosas e excesso de velocidade era o que mais se via, e eu rezava para que nos mantivéssemos inteiros até o fim da jornada.. Pela pista, diversos retalhos de pneus de caminhão estourados e cadáveres de animais domésticos e silvestres atropelados: desde cachorros e galinhas até raposas e tamanduás. Às vezes passávamos por trechos longos sem postos de gasolina, banheiros ou placas de quilometragem, o que dava a impressão de que rodávamos sem sair do lugar. E as paisagens pela janela geralmente alternavam entre pastos e plantações de soja, eucalipto ou algo parecido: do cerrado, mesmo, sobrou pouco.

Fim de tarde, nos aproximávamos de Aragarças, cidade de Goiás que é grudada com Barra do Garças, no Mato Grosso. Foi quando nos deparamos com um carro capotado à margem da estrada. Ainda saía fumaça pelo motor, o acidente foi recente. Paramos para ajudar. Por sorte, o motorista era a única vítima e estava bem. Machucou só o braço. Emprestamos o celular para ele se comunicar com conhecidos e a água mineral para lavar o corte profundo, que ainda sangrava. Como muita gente já havia parado para ajudar e a polícia já havia sido acionada, prosseguimos.

Lindo pôr do sol na entrada de Aragarças! Sinto que a região do Roncador tem um talento especial para o pôr do sol, assim como Minas Gerais tem talento para as alvoradas. Passamos as pontes sobre o rio Araguaia e o rio Garças, que ficam na divisa entre os estados de Goiás e Mato Grosso, e entramos em Barra do Garças. Encontramos um hotel, deixamos as bagagens e comemos sanduíches na praça. Depois, já meio acabados de tanto viajar, dormimos. Repouso merecido e necessário para que pudéssemos aproveitar o dia seguinte...

Pôr do Sol na ponte sobre o Rio Araguaia

Está certo, viagens longas são mesmo cansativas. Às vezes me pergunto por que gosto delas. Pode ser a oportunidade de ver locais diferentes pela janela, de conhecer os mais diversos postos de gasolina, banheiros e restaurantes de beira de estrada. Mas estive pensando em outra explicação: é viajando por terra que vejo como um local se liga ao outro, como se faz a transição de paisagens e culturas entre as regiões. E também é viajando por terra que consigo pensar, pensar, refletir muito sobre mim mesma. Quer lugar mais sem ter o que fazer do que um ônibus ou um carro, quando você não é o motorista? Enfim, o fato é que gostar dessas longas rotas faz parte de mim...

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Tentando atender a dois chamados

Então é o seguinte: estou de férias e tenho duas vozes me chamando: a Tese e a Viagem. A primeira é representante de Atená e Apolo, esses dois deuses que, em algum momento da minha infância, decidi idolatrar. A segunda é representante de Hermes, esse deus que me apareceu uns dois anos atrás e exigiu - com toda a razão - mais amor e dedicação de minha parte.

Quando temos dois deuses a servir, é perigoso escolher. O outro pode ficar muito brabo e exigir retratação. Sendo assim, tentarei conciliar a Tese e a Viagem. Dizem que tese é como filho, então, estou considerando que meu filho já está bem crescidinho e pronto para sair por aí.

Notebook na mala, modem 3G, carregador de bateria que pode ser usado no carro, fiz download de todos os materiais de que acredito que posso precisar. Fora isso, claro que levo barraca, sacos de dormir, capas de chuva, protetor solar, chapeu, biquíni... e viajo de uma forma bastante hermética, isto é, com uma leve ideia de aonde pretendo chegar, mas sem nenhum caminho muito definido, porque isso fica por conta dos deuses.

Até breve!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Congresso

A Enciclopédia Gabriela, cujo lema é a transparência e o compromisso com a verdade, vem a apresentar a vocês o seu primeiro verbete: CONGRESSO.

Congresso é uma reunião de exibicionistas que querem falar mais do que podem e voyeurs que querem ouvir mais do que devem.

Esses seres bizarros oriundos do amplo, porém limitado, universo do saber se juntam em cidades litorâneas ou grandes metrópoles, com o pretexto de compartilhar experiências e informações científicas. No caso das grandes metrópoles, os locais preferidos costumam ser grandes e luxuosos hoteis, situados ao lado de shoppings centers.

Imagem de uma típica participação no V Congresso Norte-Nordeste de Psicologia, em Maceió

Congressos são geralmente patrocinados pelos órgãos de fomento à pesquisa, universidades públicas e - mais raramente - empresas. Essas instituições dizem, elegantemente, que os cientistas e profissionais estão nos congressos para se manterem constantemente atualizados. E fingem que acreditam que as fotos na praia foram tiradas apenas nos intervalos.

As formas de apresentação em congressos têm nomes variados, mas a classificação mais útil tem apenas duas categorias, a saber:

1. Apresentação oral: os expositores falam sobre sua pesquisa científica ou sua experiência profissional para uma sala lotada com meia dúzia de pessoas (sendo que quatro são seus colegas de trabalho ou pesquisa), ficam felizes com os aplausos e pegam mais um certificado para engrossar o currículo Lattes.

2. Painel: os expositores aguardam em pé por umas duas a oito horas, enquanto outras pessoas passam por ele e (não) olham o seu trabalho. Uma regra fundamental a ser seguinda é que o expositor nunca deve estar presente quando um participante se interessar em fazer alguma pergunta sobre o painel. Nesses momentos, o expositor deve sempre estar tomando café, procurando uma cadeira para descansar as pernas ou tentando encontrar outro expositor, aquele do painel interessante que está do outro lado do saguão.

Exemplo de pôster vencedor de concurso de beleza em congresso

Caso você vá participar de um congresso, seguem seis importantes recomendações para um bom aproveitamento:

1.Se você for apresentar um pôster, leve um banquinho dobrável, fita adesiva e uma toalha. O banquinho é para você não ficar com dor nas pernas, a fita adesiva é porque você pode ter certeza de que os organizadores não vão conseguir te arrumar uma para colar o pôster na parede, e a toalha é para você não ser um animal indefeso (se você não é nerd, veja explicação).

2. Admitindo que você foi idiota o suficiente para se inscrever para apresentar um pôster, saiba que algumas situações são inerentes a essa atividade e você não tem o direito de reclamar. Pare imediatamente de pensar que você pegou o avião com um canudo enorme em que você só levava um gigantesco papel enrolado, de lembrar que tentaram barrar a sua entrada com o canudo na aeronave porque ele poderia ser usado para sequestrar o avião, e de refletir que o mundo poderia ser muito mais sustentável se não fossem as centenas de pôsteres abandonados pelo caminho e que irão parar (com uma boa dose de confiança no sistema de coleta de lixo) num aterro sanitário, levando consigo todas as importantíssimas informações neles armazenadas.

3. As partes essenciais e imperdíveis dos congressos são:

a) Cofee-breaks
b) Coqueteis
c) Confraternizações informais em bares e pizzarias.

4. Tire fotos com os personagens ilustres que estarão presentes. Não se importe com a possibilidade de eles te acharem babacas, porque de qualquer jeito eles já devem achar, a menos que você tenha, no mínimo, um Dr. na frente do seu nome. Mostre a foto aos seus amigos nerds, para que eles morram de inveja. Eles saberão apreciar essa relíquia, assim como sua amiga paty morreria ao ver uma foto sua com o galã da novela global do momento.

5. Se você tiver senso de humor, pode tentar ler os pôsteres para dar risada dos absurdos estatísticos, das formatações catastróficas e das pérolas que as pessoas teimam em chamar de pesquisa científica.

Inovando na matemática dos pôsteres: porque gráfico de pizza somando 100% é para os fracos.

6. Terminado o congresso, volte logo à sua instituição de origem, sente a bunda na cadeira e esqueça tudo o que você fingiu que aprendeu. Agora você está no mundo real, onde as informações do universo paralelo da ciência não se aplicam.

domingo, 5 de agosto de 2012

10 coisas para você comer no Acre

Sabe aquele lance de turismo gastronômico? Pois é, muita gente vem para São Paulo para comer, ou curte comidinha mineira, nordestina... Mas pouco se fala sobre a comida da região Norte do país, menos ainda sobre comer no Acre!

Nas últimas férias que passei por lá, tive três ótimos guias turísticos para conhecer a gastronomia acriana: Maria Fernanda, Thiago e Rodrigo (este último só "come" leite materno, mas acompanhou bravamente todos os passeios). Quase todas as noites, a gente saía para comer alguma comida típica do Acre. Sendo assim, uso este post para compartilhar a incrível experiência. Se um dia você for ao Acre, olha só o que precisa experimentar:

1. Tacacá

O primeiro tacacá, a gente nunca esquece. Em 1998, meu primo e a então esposa me levaram a uma barraquinha. Achei muito diferente de tudo o que eu já tinha experimentado até então. A sensação era de que minha boca estava adormecida, como se a circulação sanguínea estivesse interrompida. Estranho, mas muito interessante!

O formigamento vem das flores de jambu. Me disseram que tem gente que mastiga a florzinha, só para dar essa sensação de amortecimento. Se peruanos mastigam folha de coca, por que acrianos não mastigariam flor de jambu, né?



Ingredientes: jambu (folha verde amazônica, também usada para o tucupi), camarões (importados do nordeste do país) e goma (uma espécie de gel transparente obtido da mandioca fervida). 
Onde comer: Tacacá da Base. Tem um quiosque dele no Parque da Maternidade.
Preço: uns 5 reais.

2. Rabada no tucupi

Comi uma excelente rabada no tucupi, feita pela Jacinta, empregada da minha tia há uns quase 30 anos. Já falei sobre isso em outro post, mas não custa repetir. O prato é parecido com tacacá, mas além de algumas diferenças no tempero, tem rabo em vez de camarão.


Ingredientes: rabo, jambu, cheiro-verde, tucupi (a água da mandioca, também conhecida como mandipueira), temperos variados. O jambu tem a característica de deixar a boca formigando, uma sensação que para alguns é agradável, para outros, nem tanto. Vale à pena experimentar. Se não gostar do formigamento, tome coca-cola que passa. 
Onde comer: a rabada da Jacinta e do Cido tem sido vendida no Espaço Cultural Palhukas, na R. Marechal Deodoro.
Preço: uns 5 reais o prato com rabada e arroz.

3. Quibe

Se você acha que é aquele feito de carne com trigo integral, está enganado. No Acre, o quibe é feito de arroz ou de macaxeira e recheado com carne moída.

Particularmente, gostei mais do quibe de macaxeira. Me pareceu mais macio e menos engordurado. Mas como não gosto de arroz, talvez eu não seja um bom referecial. Na dúvida, prove os dois!

No Mercado do Bosque, várias barraquinhas vendem os quibes. Na que nós fomos, a dona nem anotava o quanto a gente comia. Só ia fritando os quibes e colocando em cestinhas e a gente ia enchendo a pança... No final, fomos nós mesmos que fizemos a contabilidade e pagamos a conta.


Tive a oportunidade de fotografar as mulheres do Mercado do Bosque preparando o quibe de macacheira. Vejam que legal:

Preparando a massa

Enrolado e ainda cru

Depois de fritar

Ingredientes: carne moída, macaxeira, farinha, e deve ter mais alguma coisa para dar liga na massa.
Onde comer: Mercado do Bosque.
Preço: não mais que uns 2 reais cada um.

4. Tapioca recheada
É coisa do nordeste, mas também se integrou aos hábitos alimentares acrianos, provavelmente graças à forte migração.

Tem de todo tipo de recheio: queijo, carne, ovo, frango, calabresa, catupiry, carne seca, presunto, vegetais... ou até mesmo tudo isso junto! Fora as doces: banana, doce de leite, chocolate...

Melhor que essas, só mesmo as que comi na Tapiocaria de Natal - RN.

Ingredientes: massa de tapioca (em última instância, é feita de mandioca) e recheios diversos.
Onde comer: as melhores tapiocas, de acordo com meus parentes, são as de uma barraquinha no estacionamento do Supermercado Araújo do bairro Aviário.
Preço: varia entre uns 5 e uns 15 reais, dependendo do recheio.

5. Saltenha

O prato é típico dos países de colonização espanhola, como a Bolívia, mas a proximidade fez com que a saltenha se integrasse aos costumes do Acre, também. Você pode comer nas modalidades frita ou assada. A da foto é frita.


Ingredientes: massa parecida com a do pastel, recheio de batata e frango.
Onde comer: esta eu comi na Av. Epaminondas Jácome, numa portinha aberta perto do Mercado Velho. (Se você perguntar onde é o "Epaminondas", o povo costuma saber).
Preço: uns 2 a 3 reais.

6. Baixaria

Não, amigos, não vou falar de pornografia, nem de política: o assunto continua sendo comida. Baixaria é um prato típico, que geralmente se come no café da manhã (ou, quem sabe, quando você voltar de madrugada da balada com aquela larica...).

Em qualquer ocasião, esteja com muita fome e o sistema digestivo preparado para trabalhar, porque a quantidade de comida que vem é realmente uma baixaria!


Ingredientes: pão de milho esfarelado (parece uma farofa amarela), carne moída, ovos, cheiro verde.
Onde comer: Mercado do Bosque, ou qualquer cantinho meio sujinho pelo centro da cidade.
Preço: uns 5 reais.

7. Açaí

Paulistanos, em geral, adoram açaí, mas ouso dizer que nunca comeram o verdadeiro! Por aqui, o açaí costuma ser misturado com creme de leite, leite condensado, granola, etc. É gostoso, sim, mas vale à pena provar o original.

Para isso, passe no Mercado Municipal Elias Mansour (conhecido na minha família como "Mercado Fedorento", graças aos cheiros misturados de peixe, carne, vegetais diversos, rações e um esgoto a céu aberto que passa ali pertinho...). Aproveite bem o passeio, porque em cada metro quadrado você vai encontrar coisas do arco-da-velha, que certamente não verá no Mercadão de São Paulo.

O extrato de açaí é vendido líquido em saquinhos plásticos transparentes. O preço é cobrado por litro. A cor é vermelho forte, dá a impressão de que você está segurando uma bolsa de sangue. Deve ser conservado em geladeira ou congelador.

Chegando em casa, coloque o extrato em um recipiente menor, como por exemplo, uma caneca. E tempere o açaí.Sim, temperar o açaí é o termo usado por eles para indicar o acréscimo de açúcar, ou farinha de mandioca (de preferência a de Cruzeiro do Sul), ou alguma outra coisa que você prefira. Pessoalmente, sugiro temperar só com açúcar, o mínimo suficiente para quebrar o gosto amargo. Assim, você vai saber o que é açaí de verdade! Os de São Paulo são para os fracos...

8. Cupuaçu

Você já deve ter experimentado suco de polpa de cupuaçu congelado, certo? Pois é, o gosto do cupuaçu é esse mesmo, meio azedinho. E no Acre, essa fruta dá aos montes e serve para fazer muitos pratos: sorvetes, bolos, cremes, pavês, bombons, doces...

O doce de cupuaçu costuma ser vendido em rolinhos, que se chamam "salame de cupuaçu".


Se você nunca viu a fruta, não vai saber comê-la. Minhas pesquisas chegaram a um bom passo-a-passo, no blog Receitas da vovó Cristina. Vale à pena conhecer o procedimento, que envolve, entre outros objetos, uma imprescindível tesoura!

9. Abacaxi de Tarauacá

Não sou bióloga nem especialista em abacaxi, mas acredito que os de Tarauacá (cidade na fronteira do Acre com o Amazonas) estão entre os maiores do mundo. Chegam a pesar 7 ou 8 quilos, ou até mais. Vejam na foto abaixo, retirada do  site do Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tarauacá, a proporção do abacaxi em relação aos trabalhadores:


E o melhor é que esses abacaxis são muito, muito doces, praticamente sem acidez. Na verdade, todos os abacaxis que comi no Acre (mesmo os que não são da Tarauacá) são excelentes, muito melhores que os de qualquer outro lugar que eu já tenha conhecido. Não sei qual é o segredo, mas se tem coisa que acriano sabe fazer é cultivar abacaxi!

10. Farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul

Sou uma grande apreciadora de farinha. (A de mandioca, hein, gente, não me compliquem!). Meu armário da cozinha é cheio de farinhas de mandioca de vários tipos, e a minha preferida é a de Cruzeiro do Sul - AC. Felizmente, a tia sempre faz o favor de renovar meu estoque quando vem para São Paulo.

A diferença é que a farinha de Cruzeiro do Sul é mais amarela, mais crua, não muito torrada, e tem grãos grossos e duros. Minha avó paterna, que não curte muito, diz que a textura é de areia... Concordo com ela, e ainda acrescento que é areia com umas pedrinhas pequenas. Mas que posso fazer se o gosto da areia é magnífico?

É uma farinha ótima para se colocar no feijão, ou misturar na sua rabada no tucupi, ou quem sabe (se você tiver coragem) usar para temperar o seu tacacá.

Enfim, a culinária acriana é riquíssima e recomendo fortemente! Se você não arranjou ainda um motivo para ir para o Acre, a comida pode ser uma boa desculpa. E vou parando por aqui, que esse assunto está me dando fome (e, no momento, estou de regime).

 ***
Meus agradecimentos a Maria Fernanda (Neca), Thiago e Rodrigo Brasil, que nos apresentaram a culinária acriana! E à Jacinta, pela rabada no tucupi.

domingo, 22 de julho de 2012

City Tour por Cusco

De última hora, acabamos decidindo fazer o city tour à tarde, o que implicava que teríamos que estar na agência de viagens por volta de 14:20. No hostel, só conseguimos nos acomodar em um quarto mais de 13h, pois os hóspedes anteriores se atrasaram. Foi uma baita correria e acabou que continuamos os quatro sem banho (desde o Acre, desde umas 36h atrás...). Mas e daí? No meio das maravilhas do Peru, banho é mesmo um assunto secundário.

Passo agora para a parte útil aos viajantes: a descrição dos sítios arqueológicos do roteiro do city tour.

Para fazer esse passeio, é preciso ter o boleto de turismo, que pode ser comprado nas agências de turismo ou diretamente em alguns postos de venda espalhados pela cidade. Recomendo comprar o boleto integral, que custa 130 soles (para estrangeiros) e dá direito a visitar, durante uma semana, 16 sítios arqueológicos próximos a Cusco, incluindo os roteiros do city tour e do Vale Sagrado. Acaba saindo mais barato que comprar as entradas para os passeios individualmente. Mais informações sobre boleto turístico aqui.

Sem mais delongas, aqui estão os locais do city tour cusquenho:

1. Catedral de Cusco (entrada não está incluída no boleto de turismo). Como já conhecíamos a Catedral, optamos por encontrar o grupo na saída dela, às 14:20, para continuar o passeio.

2. Qoricancha (entrada também não está incluída no boleto de turismo). Fica na Avenida El Sol, uma das principais do Centro Histórico. Trata-se de um antigo templo inca, demolido e transformado pelos espanhois em templo católico. No caso, virou monastério. Mas ainda se veem as ruínas das construções incas, com o que restou dos templos do sol, das estrelas, do arco-íris. Vou descrever mais detalhes em outro post (aproveitarei para falar do pequeno, mas impressionante museu de Qoricancha).

3. Sacsayhuaman. De todo o roteiro do city tour, esse é o local de que mais gosto. Cusco foi construída pelos incas na forma do animal puma, e Sacsayhuaman seria a cabeça do animal. Fizeram três enormes muralhas de pedra, representando os três mundos: céu, terra e intraterreno. E de lá de cima, se vê a cidade de Cusco, inclusive a Plaza de Armas. Nesse sítio também está a enorme e famosa Pedra de 11 Ângulos. Mais detalhes estão aqui neste post que escrevi quase dois anos atrás.

4. Quenqo. É mais um local sagrado para os incas. Entrando no sítio arqueológico, já se vê uma pedra grande, de formato fálico. Essa pedra, de acordo com o guia turístico, era praticamente um calendário que indicava as estações seca e úmida ao longo do ano. Na foto a seguir, a parte de baixo costumava ter um espelho d'água. Quando a sombra da pedra estava sobre a água, Cusco estava em sua estação úmida. E quando a sombra batia sobre a rocha (à direita na foto), estava na estação seca. Assim, ficava mais simples planejar os ciclos de plantio e colheita, visto que os incas eram grandes agricultores.

A pedra-calendário, cuja sombra indicava as estações

Outra particularidade de Qenqo é uma gruta, dentro da qual se encontra um altar de sacrifício (lhamas eram sacrificadas em datas especiais). De acordo com o guia, essa gruta representa o mundo intraterreno e o animal serpente, que o regia. É possível subir na pedra que cobre a gruta, e então se vêem rochas diferentes, que parecem esponjas. Explicaram-me que essas rochas são vulcânicas, se formaram antes mesmo da separação dos continentes e são do tempo em que aquele local era um grande lago, coberto de água.

As pedras esponjosas e vulcânicas de quando Cusco era um grande lago...

 5. Puka Pukara. Seu nome significa Fortaleza Vermelha. De fato, as paredes são avermelhadas. Dizem que o local tinha funções militares, e que pode ter sido pouso para guerreiros em trânsito. A arquitetura é menos complexa que as que vimos em sítios como Qoricancha ou as paredes próximas a San Blás, que já descrevi. As pedras de Puka Pukara são bem menores e não são esculpidas. A arquitetura mais trabalhada era deixada para os locais sagrados.

Entrada de Puka Pukara, a fortaleza vermelha

6. Tambomachay. Os incas contavam com um ótimo sistema hidráulico, e Tambomachay é repleto de fontes. Dizem que quem bebe dessa água, ou quem lava o rosto com essa água, nunca envelhece. Ditos à parte, parece que pesquisadores constataram que é uma água rica em sais minerais. Atualmente, já não se pode beber, porque também constataram que não é potável. Mas há um cantinho em que conseguimos molhar as mãos e passar a água no rosto, e agora tenho desculpa para ficar sempre com esse meu rostinho maravilhoso de menina de 15 anos rs... Os guias disseram que a cerveja Cusqueña é feita com água de Tambomachay. Verdade ou boato, experimente a Cusqueña, que é boa demais!

As fontes da juventude de Tambomachay

7. Mercado de artesanato. Praticamente todos os passeios, com qualquer agência, envolverão uma paradinha para comprar artesanato. Os guias parecem já ter convênio com os artesãos locais. Geralmente, esses mercados terão preços ligeiramente superiores aos que encontramos nas ruas de Cusco, mas a qualidade das roupas também é, em média, melhor. Os artesãos costumam adorar "regatear", isto é, pechincar. Portanto, não tenha vergonha de sugerir um preço mais baixo. Aproveite para tomar um chazinho de coca na faixa, pois os artesãos costumam oferecer como cortesia aos grupos grandes de turistas.

Gosto muito desse passeio. O único problema é que a guia corria feito doida, tentando cumprir os horários, pois são muitos locais para se visitar em 4h. Quando fiz o city tour em 2010, chegamos em Tambomachay já no escuro e não deu para ver muita coisa. Esse é um defeito que sempre encontro nos passeios com agências de turismo. Sempre que posso, tento ir aos locais por mim mesma, mesmo que para isso eu tenha que pegar transporte público. Pelo menos vejo as coisas com calma. Mas para quem tem pouco tempo, como era nosso caso dessa vez, o city tour vale à pena.

sábado, 21 de julho de 2012

Catedral de Cusco

Logo após o café da manhã, fizemos um passeio pela Catedral de Cusco. O ingresso custa 25 soles por pessoa (cobram metade se você apresentar comprovante de que é estudante. Aceitaram minha carteirinha da USP). Os guias de turismo são opcionais e cobram mais uns 20 a 30 soles. Recomendo fortemente a visita guiada, pois se você for sozinho, perderá muitos detalhes que tornam o passeio ainda mais agradável.

Fachada da Catedral de Cusco

Para entender a importância da catedral, é preciso conhecer um pouquinho da cultura inca e da história do Peru. Os incas tinham uma religião animista, considerando que os elementos da natureza eram deuses. Cultuavam a terra, a água, o arco-íris, o trovão, as estrelas, o sol, a lua... E de repente, os espanhois invadiram e dominaram o império, impondo a cultura católica, que eles acreditavam ser a mais certa.

Como fazer para que aquele povo, de repente, passasse a acreditar que a imagem de um homem morto e pregado numa cruz era seu novo e único Deus? Se eu fosse eles, certamente não acreditaria. E acho que eles, de fato, demoraram para assimilar a ideia. Os espanhois foram se virando como podiam: demoliram os templos de pedra e usaram as pedras para construir igrejas e monastérios em seu lugar. Os altares são cobertos de folhas de ouro e prata, que certamente vieram de objetos incas derretidos. Pegaram os incas que consideraram mais espertinhos e ensinaram a pintar em estilo europeu. Mandavam representar imagens católicas, como forma de ensiná-los a doutrina que, na visão espanhola, era a correta. E assim surgiu a escola cusqueña, estilo artístico que só se vê no Peru.

Mas os incas não esqueceram seus antigos deuses e, à semelhança das religiões afrobrasileiras, fizeram um sincretismo fantástico. Os santos e santas católicos se fundiram com os deuses e deusas incas. Assim, até hoje Nossa Senhora é, para eles, a Pachamama, deusa da terra e da fertilidade, a mais adorada da cultura inca. E por isso mesmo, ela está mais em evidência na Catedral de Cusco do que o próprio Jesus.

Disse o guia que nos acompanhou que é comum que, depois da missa, os católicos se ajoelhem em frente à imagem de Nossa Senhora para orar em silêncio. Enquanto isso, os peruanos mais ligados à cultura inca se sentam e conversam com a mesma imagem, que para eles é a da Pachamama. Conversam em voz alta, como se fosse uma parente ou amiga, ou quem sabe, a própria mãe.

Certamente o guia, de descendência inca, lhe dirá barbaridades sobre os espanhois, sobre como eles destruíram os templos, ídolos e a cultura inca, sobre como mataram homens inocentes. E terá toda a razão.

Fico imaginando o lado dos colonizadores: saíram da Espanha, cruzaram o Oceano Atlântico em caravelas, certamente se imaginavam herois. Vieram trazer o progresso para a América, para as culturas primitivas e atrasadas. Trouxeram a salvação para os pecadores que nunca haviam conhecido Jesus Cristo. Devem ter ido para o céu, pois se doaram para a Pátria e para a Igreja.

Afinal, quantos de nós não impomos nossas opiniões, crenças e costumes aos outros? Ainda mais quando são de outra cultura, aparentemente atrasada? Que dizer de Belomonte, trazendo um suposto progresso ao interior do Pará? Que dizer de nós, quando tentamos convencer nosso amigo ou parente de que ser evangélico / católico / espírita / eubiota / ateu é o caminho certo para a verdade?

Não se pode tirar fotos do interior da Catedral, e pouco se consegue obter pelo Google Images. O negócio é ir lá para ver, sentir e refletir.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

As paredes de Cusco

Por volta de 7 e pouco da manhã, decidimos sair da incômoda posição de dormir no sofá do hostel para irmos tomar café da manhã em algum lugar. Deixamos a bagagem guardada no hostel e saímos para o centro histórico de Cusco. Foi um passeio agradável e tranquilo, já que 90% dos turistas certamente ainda dormiam, ou então já estavam em alguma trilha ou passeio bem longe dali.

A caminho de San Blás, um guia turístico nos abordou e começou a dar explicações sobre a pedra de 12 ângulos. É uma pedra que fica num muro construído pelos incas, na calle Ratum Rumiyoc. Essa pedra exemplifica uma característica da arquitetura religiosa inca: tudo se encaixa perfeitamente no todo. É como se cada pedra fosse peça de um grande quebra-cabeças, que deve ser montado sem cimento ou argamassa. E para se encaixar em todo o resto, essa pedra de algumas toneladas foi esculpida de modo a formar um polígono de 12 arestas (e, consequentemente, 12 ângulos).

Pedra de 12 ângulos

O guia também nos mostrou outras maravilhas da cultura inca: uma outra parede em que as pedras formam um puma e uma serpente. Ele disse que, no dia 21 de junho de cada ano (ou seja, no solstício de inverno), às 8h da manhã a luz incide no muro de tal maneira, que o puma fica bem visível. E às 10h, a serpente é que aparece. Cada imagem dura apenas alguns segundos. A parede com essas imagens está na foto abaixo. Desafio vocês a encontrarem a puma e a serpente. Assim que eu voltar para Campinas, pego com minha mãe os postais que compramos, que mostram essa parede no solstício. Posso escanear para mostrar para vocês em um futuro post.

Encontre o puma e a serpente na parede abaixo!


Apenas explicando: os incas consideravam que três animais eram sagrados: o puma, que era o deus da superfície da terra, onde vivemos; o condor, que era o deus do céu; e a serpente, deus do mundo intraterreno, subterrâneo. Assim, a parede representa, no solstício, dois animais sagrados.

O guia também nos levou até outra parede, que foi parcialmente demolida pelos colonizadores espanhois, aparentemente à procura de ouro. Não encontrando nada, resolveram reconstruir a parede, mas claro que não conseguiram fazer nada parecido com o trabalho dos incas. E assim, aquele canto foi usado como cenário para uma das cenas do filme "Diário de motocicleta", em que mostram a Che Guevara o trabalho dos Incas e o trabalho dos "Incapaces", ou seja, dos espanhois.

Ao centro, muro feito pelos incas. Nas laterais, muros feitos pelos "incapaces" espanhois.

Depois de nos explicar tudo isso, claro que o guia pediu sua contribuição financeira. Os guias, por lá, costumam ser universitários que sobrevivem a partir das gorjetas dos turistas. Esse que nos recebeu era estudante da Belas Artes de Cusco e aproveitou para mostrar seus lindos quadros representando a cultura inca. Infelizmente, não tenho dinheiro para comprar obras de artistas que encontro por aí... mas desejo boa sorte ao colega!

Seguimos adiante e encontramos um lugar para tomar um bom café da manhã de ovos mexidos com torrada, e tomamos também nosso primeiro "mate de coca" para espantar o soroche. Agora as coisas subiram de preço, pois Cusco está cheia de turistas internacionais trazendo dólares, euros e reais para inflacionar o mercado. Almoço por 5 soles, não mais!

Continuando o passeio, seguimos para a Catedral de Cusco, que fica para o próximo capítulo.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

De bus cama até Cusco

Por volta de 17h do dia 09/07, embarcamos no bus-cama da empresa Transporte Junior até Cusco. E agora começa a parte escatológica da viagem.

O ônibus era confortável: dois andares, com banheiro, ar condicionado e DVD. Compramos passagem no 1o andar e pegamos poltronas que deitavam quase que 180 graus. As passagens custaram 50 soles, o equivalente a uns 40 reais, o que é bem barato comparado com os preços de passagem no Brasil. Afinal, a viagem de Puerto Maldonado a Cusco envolve uns 500 Km, percorrido em umas 11h, já que teríamos que subir os Andes, de 0m a 3.500m de altitude.

Poucos quilômetros depois de nossa partida, o sol começou a se pôr e concluímos, contentes, que no mesmo dia vimos o sol nascer no Acre e se pôr no Peru.

Pôr do sol no departamento de Madre de Dios, Peru


Dentre os benefícios oferecidos pela Transporte Junior, o ônibus também tinha "terramoza", ou seja, o equivalente a uma aeromoça terrestre. Pouco depois de partirmos, ela usou o microfone para apresentar a empresa, o ônibus, e dar um aviso importantíssimo: "el baño es solo para uso orinario. Repito: solo para orinar!". Completou que para outras necessidades, deveríamos procurá-la, para ela programar com o motorista as próximas paradas. Claro que, nesse ponto do discurso, já estávamos todos chorando de rir.

Por volta de 8 da noite, o ônibus fez sua primeira parada. Costumo ter claustrofobia em banheiro de ônibus, então resolvi descer para fazer xixi. Eu teria me arrependido, se não fosse a experiência surreal que isso me proporcionou.

Na porta do ônibus, aglomeravam-se muitas pessoas. Alguns eram passageiros do ônibus, outros eram vendedores ambulantes. Sim, porque o ônibus parou no meio de uma rua no centro de uma cidadezinha e não havia um posto de gasolina ou restaurante por perto. Então, os vendedores se aglomeravam na porta do busão, oferecendo desesperadamente produtos como: sucos fluorescentes, biscoitos, objetos diversos, água mineral e "pollo con papas", ou seja, frango com batatas.

Assim que consegui passar pela aglomeração, descobri que havia um "baño público" logo à frente. Mas chegando lá, constatei que precisaria pagar 50 centavos pelo xixi, e tive que voltar ao ônibus e passar novamente pela multidão, com o agravante de que agora eu estava na contramão. Muito aperto depois, consegui pegar 50 centavos na minha bolsa e encarei a multidão pela 3a vez. O senhor zelador do "baño" pegou o dinheiro, me deu um pouco de papel higiênico e indicou para eu entrar em um corredor escuro e ir até o fundo.

Fui correndo, porque não sabia a que horas o ônibus iria partir. Os banheiros eram, literalmente, casinhas no fundo de um quintal. Estava tudo muito escuro, não havia iluminação. E ao entrar na casinha, encontrei uma coisa que eu até hoje só tinha visto na região do Mato Grosso: um buraco no chão, com espaço para apoiar os pés. E ao lado, um balde vermelho com uma mangueira ligada, com água corrente transbordando e se derramando pelo buraco abaixo, fazia as vezes de lavatório.

Baño público em alguma cidadezinha do interior do Peru (custa 50 centavos)


Sentindo aquele aroma agradável, fiquei pensando nos meus 50 centavos desperdiçados... Por outro lado, poderia ser pior. Eu poderia ser obrigada a me fechar em uma claustrofóbica cabine de banheiro de ônibus. E assim, decidi fazer valer meus 50 centavos de nuevo sol! Levantei as calças até os joelhos para não arrastar naquela meleca do chão, me abaixei naquela posição de ralar-na-boquinha-da-garrafa que toda menina logo cedo aprende a fazer e tentei mirar o xixi no buraco. Percebendo que era impossível, resolvi simplesmente mirar para não acertar meu próprio pé. E fiquei pensando que, na viagem de volta, eu precisaria levar uma garrafa plástica descartável e um pedaço de cartolina.

Ainda antes de entrar no ônibus, comprei um pollo con papas por 5 soles, atendendo ao pedido do corajoso Daniel. Sim, muito corajoso para enfrentar um frango com batatas, arroz e salada comprado de uma camponesa peruana (as chamadas "collas"), embalado em uma bandejinha de isopor, a bordo de um ônibus com banheiro "solo para uso orinario" (já pensou se o pollo lhe levasse a alguma outra necessidade?!). Mas a fome era tanta que acabei aceitando umas batatinhas e uns pedacinhos de frango, compartilhando desse jantar muito romântico! Ah, tenho de ser justa, até que a comida estava boa.

Pollo con papas comprado de uma colla na parada do bus cama


Enfim, depois dessa incrível aventura, o ônibus não fez mais nenhuma parada (embora a viagem tenha durado ainda umas 7 ou 8 horas), a não ser nos breves momentos em que iria deixar alguém ou pegar um novo passageiro. O banheiro foi ficando cada vez mais fedido e vi umas 3 vezes a terramoza abrir a porta dele e espirrar "bom ar". Passaram uns filminhos de sessão da tarde no DVD, mas o audio estava baixo e em español ligeiro demais para o meu cansaço. Preferi dormir.

Por volta de 4h da manhã, chegamos em Cusco, num frio de doer os ossos. Pegamos um táxi até o hostel, mas chegando lá, ainda não pudemos ir para o nosso quarto, porque a diária começava só meio dia e não havia vagas no momento. Felizmente, os recepcionistas tiveram compaixão e nos deixaram descansar no sofá. Até emprestaram cobertores. E assim, a cena final dessa emocionante aventura de 24h de Rio Branco a Cusco foi registrada pela minha mãe, que estava acomodada com um cobertor na poltrona logo à frente do nosso sofá:


Umas 6h da manhã, no sofá do Hostel The Point

terça-feira, 17 de julho de 2012

De Rio Branco a Puerto Maldonado

Saímos por volta de 5:30 da manhã do dia 09/07 de Rio Branco, de carro. Meu primo se dispôs a nos levar até a fronteira do Acre com o Peru. E assim, saímos de Rio Branco para Assis Brasil, passando por Brasileia, conforme mapa abaixo.

Mapa do Acre


A estrada é a mesma que eu já havia conhecido quando fomos a Cobija, em 2010 (cidade boliviana que faz fronteira com Brasileia). Apesar de cortar a Amazônia, hoje só se veem pastos e agricultura nas margens. Vimos o sol nascer na estrada, o que sempre é uma bela imagem.

Nascer do sol no Acre


Quando chegamos a Brasileia, demos uma passadinha rápida por Cobija (Bolívia) para comprar de alguns acessórios finais que precisaríamos na viagem (darei explicações mais detalhadas em algum post futuro), além de algumas latinhas de cerveja Paceña (nunca encontrei essa cerveja no Brasil).

Depois seguimos para Assis Brasil, que fica perto da tríplice fronteira (Brasil, Peru e Bolívia). Basta passar por uma ponte para chegar ao lado peruano, que se chama Iñapari (pronuncia-se "inhapári"). Passamos pela migração e nos despedimos do meu primo. A partir daí, seguimos de táxi (30 soles por pessoa) até Puerto Maldonado. Foram mais umas 3h de viagem, num percurso de cerca de 250 a 300 Km.

No caminho, vimos uma paisagem parecida com a estrada que seguíamos pelo Brasil. A Amazônia desmatada dava lugar a pastos e campos de agricultura. Mas há algumas diferenças. A principal é que no lado peruano da fronteira, há várias vilas pequenas pelo caminho. Meu irmão (estudante de geografia) foi anotando os nomes no diário de campo e, sem exagero, posso dizer que passamos por uma vila a cada cada 5 minutos de viagem. As casinhas dessas vilas são muito simples, a maioria de madeira ou barro (acho que é o que chamam, no Brasil, de "taipa de pilão").

Uma típica casinha de vilas na estrada que liga Iñapari a Puerto Maldonado


O taxista não ganhou apenas os nossos 120 soles. No caminho, ia pegando pessoas aleatórias, que viajavam no portamalas, ao lado das nossas mochilas, que foram amontoadas num canto. Essas pessoas pareciam ser habitantes das vilas. Faziam sinal para o táxi, que parava para apanhá-los, e desciam em alguma outra vila, quilômetros adiante. Não pareciam estranhar pagar para viajar no portamalas. No total, cinco passageiros viajaram conosco, sendo dois rapazes, um senhor de mais idade (muito simpático) e uma moça com uma criança pequena.

Na estrada, a polícia rodoviária parou o táxi. Minha mãe já imaginou que iriam implicar com o jovem no portamalas, mas não era esse o problema, já que no Peru, que eu saiba, não existem leis de trânsito impedindo transportar pessoas dessa maneira. No fim, só quiseram ver nossos documentos e deram uma olhada rápida em nossas bagagens, apalparam, mas não pediram para abrir mochilas.

Chegando em Puerto Maldonado, o taxista já nos deixou numa agência de ônibus de viagem. Eles cobraram 50 soles por pessoa para a viagem de cerca de 500 Km e onze horas até Cusco, em ônibus leito. Guardaram nossas malas na agência enquanto fomos comer em um restaurante logo ao lado, que cobrou 5 soles por refeição (incluindo uma sopa de entrada e mais um prato principal muito bem servido). Tomamos Inca Cola, uma bebida amarelo-xixi, bem doce. Também foi um jovem de 16 anos, que trabalhava na agência de viagem, que nos ajudou a ir de mototáxi até um local para fazer o câmbio de reais para soles.

Mototáxi, no Peru, é bastante diferente de qualquer coisa que tenhamos no Brasil, como vocês podem ver pela foto. É bastante barato, mas cobram por pessoa. Minha mãe parecia uma criança feliz na sua primeira viagem de mototáxi, quando fomos trocar dinheiro.

Mototáxi, em sua versão peruana, e minha mãe feliz e contente!


Enfim, cerca de 5h da tarde, pegamos o "bus cama" (ônibus leito) até Cusco. E continuarei o relato no próximo post.

sábado, 14 de julho de 2012

De volta ao Acre

Pela 5ª vez na vida, voando para aquele lugar que dizem que não existe. Desta vez, vou acompanhada de minha mãe, que após 29 anos, resolveu fazer uma visitinha para a irmã. Também vão comigo meu irmão Samuel e meu namorido Daniel, que também vão conhecer essas terras distantes pela primeira vez.

O motivo dessa expedição (além da minha natureza de viajante) foi conhecer Rodrigo, filho da minha prima Maria Fernanda, que nasceu há poucos meses. No meio dos preparativos de viagem, surgiu a ideia de aproveitarmos para irmos a Cusco de ônibus, já que estaríamos logo ali do lado, a uns mil quilômetros de distância.

E assim, no dia 07/07/2012, pegamos o avião em São Paulo, rumo a Rio Branco, com escala em Brasília. Chegamos às 2:30 da manhã em horário local (Acre é 1h a menos que São Paulo). A grande surpresa foi quando o piloto do avião anunciou a temperatura: 19 graus. Isso é absolutamente incomum numa terra em que a temperatura “normal” costuma ser uns 30 graus. Desci do avião e bateu um vento gelado. E eu que estava esperando a viagem toda pelo hálito quente e úmido que bate no rosto assim que ponho a cara para fora da aeronave! Bem, esse é o fenômeno da friagem, que acontece umas 2 ou 3 vezes no ano e dura uns poucos dias. Eu já tinha ouvido falar e presenciei pela primeira vez. Mais uma experiência de viagem, mas na boa, prefiro Rio Branco sob 40 graus!

Fomos recebidos no aeroporto pelo meu primo Ricardo, que nos levou para casa, onde já tomamos umas cervejas para comemorar a viagem. Lá para as 5:30 da manhã, fomos dormir. E acordamos umas 10h ao som de uma banda evangélica, que ensaiava no estúdio ao lado do nosso quarto, que também foi improvisado em uma sala de estúdio.

Mesmo dormindo pouco, não sou de ficar mal humorada, principalmente em viagens, principalmente quando antes mesmo de tirar o pijama, já tenho a oportunidade de conhecer meu priminho lindo maravilhoso! O quarto membro da nova geração de primos, todos meninos. Adoro bebês!

Almoçamos uma rabada no tucupi, preparada pela grande Jacinta, que conheci aos 7 anos de idade, na minha primeira viagem ao Acre. O prato me foi apresentado pela prima Maria Fernanda, assim: “carne (rabo, tradicionalmente, mas aqui em casa fazemos com agulha pq é menos gorduroso e tem mais carne); jambu (aquela folha que vai no tacacá); cheiro-verde (vcs chamam de cebolinha); tucupi (é a água da mandioca - chamam aqui de mandipueira); couve e temperos (sal, pimenta de cheiro e etc.).“.*

Sobre a folha que vai no tacacá, tenho a dizer que é bem diferente de qualquer ingrediente que eu já tenha comido em São Paulo. Meio salgada, meio amarguinha, a sua característica principal é o formigamento na boca. Sabe quando você dorme em cima do braço e acorda com ele formigando de manhã? Então, a folha faz isso na língua, no céu da boca, nas bochechas... É ótimo! Mas se você não gostar, tome coca-cola que passa.

Rabada no tucupi



Depois desse almoço típico, saímos para passear pela cidade. Palácio do Governo, Parque da Maternidade, as pontes sobre o Rio Acre, mercado velho. Posso falar desses assuntos em outro momento.

Palácio do Governo do Acre


À noite, festinha de aniversário do primo Ígor, também da nova geração. E vi também os outros priminhos, Vítor e Vivian, que são os caçulas da minha geração.

Pois é, o Acre costuma ser considerado terra que não existe, distante, desconhecida. Mas para mim, em todos os sentidos, é bastante familiar. Me sinto sempre em casa.

Fui dormir umas 22h, bastante cansada, para acordar no outro dia umas 5h e começar a jornada rumo ao Peru. Continuarei nos próximos posts.


*ERRATA: Jacinta foi informada de que foi citada na internet. Mandou corrigir que não vai couve na rabada no tucupi!