quarta-feira, 28 de novembro de 2012

As primeiras lições do Portal do Roncador

No dia seguinte à nossa chegada a Barra do Garças, fomos ao Parque Nacional da Serra Azul, onde já estive em 2010. Lugar lindo, seja pela vista do alto da serra, ao lado do Cristo Redentor, ou pelas trilhas e cachoeiras. O tempo estava meio nublado, nem levamos a máquina fotográfica para a trilha, com medo de chover. Mas mesmo sem sol, o rio não estava gelado e pudemos curtir umas quedas d'água nas costas.

Na volta, custamos a achar um restaurante aberto. Tentamos novamente compreender o fuso horário, que é bem confuso (ver post explicando os horários na região do Roncador), e conseguimos concluir que era preciso atrasar o relógio em uma hora, pelo menos na maior parte das situações. Também concluímos que talvez os restaurantes fechem para o almoço. Visitamos um amigo à noite e decidimos, por fim, seguir para o pé da Serra do Roncador.

As formações rochosas características do início da Serra do Roncador

Nesse lugar muito especial há o Portal do Roncador, onde o Maurinho recebe viajantes de todos os cantos. Esse é um local que recomendo para algumas poucas pessoas. Penso que, para ir para lá, é fundamental preencher alguns requisitos. O principal é gostar de mato. Mas também é preciso que a pessoa não entre em pânico facilmente; não se importe com luxos como ventilador, ar condicionado, chuveiro quente, arrumadeira, camareira, copeira...; não se desespere com a presença dos insetos, mesmo que sejam muitos; não seja ansiosa a ponto de querer antecipar as situações que irá enfrentar, porque é preciso viver os momentos; não se importe com os longos silêncios, nem com o rebuliço das maritacas e com a sinfonia ininterrupta dos grilos e sapos durante a madrugada; não faça questão de bebidas alcoólicas quando sai para viajar, porque isso não é permitido no local; não tenha medo da profunda escuridão da noite... enfim, é preciso que a pessoa vá com vontade de permanecer alguns dias consigo mesma, do jeito que é, sem máscaras ou muletas.

Se você acredita que se encaixa nos requisitos, é muito fácil de achar o local. Basta seguir pela BR 158, no trecho entre Barra do Garças e Nova Xavantina. Passando o povoado de Vale dos Sonhos, a fazenda fica poucos quilômetros a frente, bem embaixo das formações rochosas inconfundíveis da figura acima.

Lá chegando, encontramos pessoas ligadas a um grupo esotérico, que estavam em retiro. Engraçado que faz cerca de um ano que encontramos pessoas desse grupo em vários locais. No final da tarde fizemos com eles um "trabalho", coisa que para eles parece que significa orar e para mim, significa caminhar pela trilha e entrar em contato comigo mesma, através da natureza.

A nossa casa

O grupo era bastante diversificado. Tinha homens, mulheres, pessoas mais jovens, mais idosas e até um incrível garoto. De forma geral, as pessoas caminhavam tranquilas. Mas a senhora J. parecia apavorada com o desafio, e não conseguia dar um passo sequer sem ser praticamente arrastada pelo guia ou por outra pessoa do grupo. Logo percebi que o que a impedia de prosseguir não era uma dificuldade física, porque bastava lhe dar a mão para que caminhasse sem problemas. A questão era a falta de confiança, o medo de ingressar na trilha, o pavor que sentia ao dar cada passo para o meio do mato e da montanha.

Outra característica inesquecível da senhora J. era o medo dos gafanhotos. Esses animais apareciam em nuvens pela fazenda, e batiam em nós o tempo todo: nas pernas, braços, rosto, olhos... com tanta força que compreendemos de onde tiraram a modalidade de kung fu louva-a-deus! Fora serem os bichos mais chatos que encontrei por lá, superando até mesmo os infelizes pernilongos, eles não mordiam e nem machucavam ninguém. Mas a senhora J. perdia a cabeça quando se aproximavam, dando engraçados gritinhos de "mamãe! mamãe!".

Claro que os gritinhos, as constantes paradas para descansar e as frequentes perguntas de "já estamos chegando? Falta muito?" incomodavam um pouco. Mas percebi em mim um pouco de admiração pela senhora J. Ela era a que mais estava se enfrentando naquele momento. Apesar de todos os medos e da idade avançada, se dispôs a entrar na trilha para fazer um trabalho. Acho que ela não sabe que o trabalho maior foi ter se enfrentado.

Eis que, no meio do caminho, nos deparamos com uma belíssima cascavel! Grande, rajada, vagarosamente deslizando por uma rocha. O guia Maurinho, que ia na frente, imediatamente nos pediu para parar. De longe, fiquei admirando a belíssima serpente, que parecia nem ter notado nossa presença. A essas alturas, se eu estivesse sozinha, certamente daria meia volta e iria embora para a fazenda, antes que ela resolvesse sentir o meu cheiro na ponta daquela língua flamejante. Mas Maurinho se aproximou, junto ao maravilhoso garoto, e tiraram fotos bem de perto. De longe, também aproveitei para tirar fotos, aproveitando o zoom da câmera. Em seguida, Maurinho fez algo que, do meu ponto de vista, é ainda mais espantoso: mantendo uma certa distância, atirou alguns pedaços de pau e pedras, com um certo cuidado para não machucá-la ou matá-la. Afinal, nós é que entramos na casa dela, e não ela na nossa, certo? Ele apenas derrubou a cobra da rocha, para o outro lado, e ainda olhou para ela com cara de deboche. Em seguida, mandou que passássemos pela trilha. Me borrando de medo, passei correndo e sem olhar para trás, nem para os lados.

A cascavel

Prosseguimos na trilha e passamos pela pedra popularmente chamada de "dedo de Deus". De perto, ela me pareceu um enorme obelisco, como se tivesse sido fabricada por mãos humanas. Lembra muito as construções em pedra feitas pelos incas, no Peru. Mas não paramos por lá, subimos mais um pouco, até uma pequena caverna.

Lidar com uma cobra, para mim, é coisa pequena perto de uma caverna. Tenho claustrofobia e quando chego em um lugar fechado, começo logo a pensar em um monte de bobagens: as paredes vão se fechar comigo dentro, vou morrer sufocada, algo vai obstruir a saída e vou ficar presa aqui dentro, vai ter um terremoto, etc. O grupo decidiu que aquele seria um bom lugar para o trabalho. Enfileiraram-se e dei um jeito de ficar bem perto da saída. Seguiram-se orações à Mãe Divina, os mantras... E participei da minha maneira. Todas as formas de se chegar à divindade são válidas, tudo depende da (in)consciência.

A descida foi por uma trilha um pouco diferente, algo que por lá se chama "risadinha". Não, não é um pequeno sorriso, é um caminho pela serra, íngreme e cheio de pedregulhos redondos, como se por lá já tivesse passado algum rio. E eu de papetes, tentando manter o equilíbrio sobre aquelas pedrinhas redondas! O sol já se punha, a trilha estava cada vez mais escura e algumas pessoas começavam a sacar as lanternas. Não tenho ideia de como a senhora J. desceu a trilha, porque eu estava muito preocupada em tentar não rolar de vez lá para baixo. Bati o traseiro no chão umas três ou sete vezes, grata por ele ser bem recheado.

Pôr do sol visto da risadinha

Por fim, chegamos à fazenda, onde tomei meu desejado banho frio e fui à cozinha compartilhar do jantar vegetariano feito pelo grupo. Jantar repleto de besouros e gafanhotos, que batiam no nosso rosto, pulavam para dentro dos pratos e das panelas, enquanto a senhora J. gritava: "mamãe!" e dava saltinhos, e eu sorria por dentro. Depois, fomos à nossa barraca, que já estava armada embaixo de uma mangueira e ao lado de alguns belíssimos cogumelos, cercada por besouros e gafanhotos que insistiam em bater fortemente contra a lona, em busca da luz da nossa lanterna. Foi a primeira noite ao pé da Serra do Roncador, em contato muito próximo com o solo. Escuridão, calor, uma excelente companhia ao meu lado e a sensação de que os músculos todos estavam relaxados. Boa noite, Roncador!

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