quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Paranapiacaba

A viagem estava programada desde novembro. De repente, percebi que as festas de final de ano poderiam fazer sentido se fossem tratadas como um simples feriado em que se pode passear por aí... Mas o contexto em que viajei foi inesperado: meu avô faleceu na terça-feira, dia 28. Como funcionária pública, tive direito a três dias de folga. Após estar com a família e participar de todo o ritual fúnebre, segui meu rumo. A partida do meu avô antecipou minha partida... e senti que esses dias de luto que prolongaram meu feriado, proporcionando algum repouso e tempo para refletir, foram o último presente que ele me deu.

Ainda me impressiono com as mudanças de paisagem que se dão numa curta distância. É o caso de Paranapiacaba: menos de 50 Km de São Paulo e muda a arquitetura, o calçamento das ruas, o clima, a cabeça dos moradores, a qualidade do ar e da vida, os preços, os transportes, os meios de comunicação. Sentia-me como se estivesse em outro país, até porque a maior parte das conversas foi em esperanto.

Trem em exposição em paranapiacaba


A primeira aventura foi dirigir até lá. Até pouco tempo atrás, eu tinha tantos medos de encarar o trânsito e tanta dificuldade de me localizar... Esperei em vão que o GPS que comprei dia 14 de dezembro chegasse a tempo. O jeito foi verificar o trajeto no Google Maps e prestar muita atenção nas placas. Assim, depois de atravessar São Paulo de norte a sul, com uma pausa para deixar a avó e a tia avó no Itaim Bibi, perder o rumo algumas vezes até encontrar a rodovia Anchieta, atravessar o trilho do trem e uma estrada de terra de mais de dez quilômetros, cheguei a Paranapiacaba e à Pousada Shamballah, onde aconteceu o 2o NOVA (Novjara Aranĝo).

As flores de Paranapiacaba me encantaram

Assim que cheguei, a neblina mais parecia uma nuvem que caiu do céu sobre o vilarejo. Logo percebi que tudo em Paranapiacaba é úmido e enevoado: garoa, orvalho, chuva, água brotando do solo em nascentes espalhadas por todo lugar. Tudo no vilarejo tem um cheiro meio molhado de ferro, trem e coisas antigas... Criada para abrigar as ferrovias da SPR (São Paulo Rail), a vila tem um estilo inglês e muito patrimônio histórico preservado. Além disso, há também o patrimônio ecológico: Mata Atlântica, com muitas possibilidades de trilha. Caminhamos durante 4 horas até Taquarussu, guiados pelo simpático Lalas, professor de biologia que gostava muito de falar os nomes das plantas e dos animais pelo caminho.


Paranapiacaba me lembrou Águas Calientes: talvez pela presença marcante da ferrovia, mas certamente também pela estrutura pequena de serviços. Tudo o que se vende tem de vir de fora por caminhos complicados, o turista tem poucas opções dentro do vilarejo e, portanto, tudo é caro. Uma refeição sempre custava pelo menos 15 reais, uma latinha de cerveja custava uns 3 reais. A cidade não tem padaria e, pelo menos na parte baixa, também não vi farmácia, supermercado ou outros estabelecimentos comerciais que garantissem uma certa conveniência.


Esperantistas em Taquarussu

Naquele vilarejo pequeno, claro que a chegada de cerca de 30 esperantistas é um evento que chama a atenção. Despertávamos olhares curiosos quando saíamos pela cidade falando uma língua que, para eles, deveria soar estranho. E eu, que não falava esperanto há alguns meses, fui reacostumando o ouvido e a boca, de forma que a linguagem foi se automatizando. Quando éramos forçados a falar português, pela presença de algum não esperantista, era até difícil mudar a sintonia...

A atmosfera toda da cidade remetia ao passado, não só pelas construções preservadas, mas também porque me parecia propícia para a prática de magia de um estilo com o qual não estou mais acostumada... algo que parece que fiz há muito tempo e já quase me esqueci como era, embora ainda retorne nos meus sonhos. Disseram-me que a cidade é ponto de encontro de bruxos e que costuma haver convenções de bruxas e magos, sempre com abertura nas sexta-feiras 13. Imagino o quanto deve ser interessante acompanhar o evento...

Ainda que a viagem remetesse ao passado, havia novidade nas pessoas que conheci, sempre muito antenadas e sintonizadas com o presente. Os jovens esperantistas costumam ter a mente aberta, uma forma carinhosa de tratar uns aos outros e uma grande responsabilidade perante o mundo, o que não os impede de encher a cara e falar bastante besteira misturada aos assuntos sérios. Estranhamente, eu tinha vontade de tomar cerveja ou a famosa cachaça de cambuci, mas com doses pequenas já sentia uma espécie de alergia, começava a espirrar sem parar, ficava irritada... e acabei passando uma das viradas de ano mais sóbrias dos últimos tempos.

Cachoeira no Parque das Nascentes

De repente, lembrei daquele sonho que tive algumas semanas atrás, quando descobri que "a língua que falo é esperanto". Depois disso me surgiram tantas associações que fiquei bastante introspectiva, apenas contemplando o que surgia de dentro de mim, um tanto quanto inspirada pela chuva e pelo tempo quase sempre fechado. "Esperanto não é minha língua nativa, obviamente. Aliás, não é, ou pelo menos não deveria ser, a língua nativa de ninguém. O propósito do esperanto é ser usado como meio de comunicação por pessoas que não falam a mesma língua. Então, é possível construir um idioma comum entre os que falam idiomas diferentes..." Uma parte do passado morria junto ao membro mais velho de minha família, levando consigo uma série de mágoas e traumas. Tudo o que posso dizer, sem me alongar, é que na segunda-feira seguinte fui trabalhar, pedi marmitex no almoço e, quando me dei conta, tinha comido quase a metade do arroz... Para quem me conhece, sabe a importância desse inesperado acontecimento.

Pode parecer que os assuntos no parágrafo acima são desconexos, mas podem acreditar: estão interligados e fazem muito sentido.

3 comentários:

Mateus Yuri disse...

uia! DOIS momentos históricos: comeu arroz e enfim teve o bom senso de comprar um GPS. o trauma de arroz tinha a ver com seu avô?!

Gabi disse...

O trauma do arroz tinha a ver com meu avô, sim... Quando eu tinha uns 3 ou 4 anos de idade, fiquei azucrinando que estava com fome e ele me fez comer um monte de arroz puro (era a única coisa que já estava pronta para o almoço). Acabei passando mal e, desde então, comer arroz me dava ânsia. Acho que ainda tem um longo caminho até que eu comece a comer arroz todo dia, mas foi surpreendente que eu tenha comido sem perceber...
O GPS ainda não chegou rs... A Balão da Informática cancelou a compra, desculpando-se e justificando que não tinham mais o produto no estoque. Agora preciso providenciar outro... Ainda não foi dessa vez que fiquei menos perdida.

joaozinhomenininho disse...

Legal... parabéns pela viagem!!!
Boas fotos e relato no seu Blog.
Somente sinto falta de um Camping em Paranapiacaba, com tanta natureza seria legal poder acampar lá...

Cicloabraços
Joaozinho
www.joaozinhomenininho.blogspot.com