quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Foi bom paramim

As melhores viagens são as de improviso: gosto dos planos frouxos, com espaço para me esticar. Logo que descobri que teríamos um feriado prolongado em Valinhos, graças ao padroeiro São Sebastião e à festa do figo, comecei a escolher uma cidade para visitar. Pensei em muitas ideias, de interior de Minas a litoral de São Paulo e por alguns dias acreditei que iria para Ilha Comprida com a amiga Lia. Mas de última hora, Lia não pôde ir e a escolha seguinte foi Paraty. De repente, eu e meu irmão Samuel - sobrevivente de uma maratona de vestibulares - reservamos hotel e consultamos mapas e GPS para organizarmos nossa viagem em poucas horas.

Nada como um vestido florido e uma cidade a conhecer...


A primeira alegria foi encontrar o restaurante de beira de estrada Vaca Preta, que fica no comecinho da Tamoios (ou finalzinho, para quem vem de Paraty a São Paulo). Era o lugar onde sempre parávamos para comer quando íamos a Ubatuba com a família. Lá tem lanches grandões, banheiros razoavelmente limpos e uma vaca preta com certificado de vacinação, num cercado, onde se pode tomar leite tirado na hora. Durante a viagem, estávamos imaginando se o Vaca Preta ainda existia ou se havia virado um posto com sobrenome Graal, quem sabe com o nome Profissional do Sexo Afrodescendente, para ser mais politicamente correto do que Vaca Preta. E a vaca, quem sabe seria de plástico, uma teta jorrando capuccino, outra iogurte, outra leite com nescau, outra milk shake. Mas o Vaca Preta continua no mesmo lugar, o mesmo de sempre, a vaca ainda de carne e osso!

Eu e Samuel nos revezamos na direção e estreamos o nosso novo GPS. Um pouco além de Ubatuba, o bichinho começou a endoidar. Achou que estávamos saindo da pista e, quando chegamos a Paraty... a telinha indicou que caímos no mar! Eu sempre soube que Samuel era um péssimo motorista rsrsrs

Homem ao mar!


Ficamos no Historic Centre Hostel, num quarto coletivo para 12 pessoas, no sótão (calooor!), com um único banheiro, que era lavado apenas uma vez ao dia. A vantagem, além do preço, eram as pessoas legais que ficavam por lá. Hóspedes de vários países. Funcionários que passavam o dia sentados na sala, sem camisa, tomando cerveja com os hóspedes. Pessoas extravagantes e aleatórias que apareciam por lá do nada para bater um papinho, apesar de não estarem hospedadas no albergue, como a mulher que, uma noite, chegou falando inglês conosco e, após descobrir que éramos brasileiros, falou: "Ai, que chiquérrimo, nunca esperei encontrar alguém do Brasil aqui!". Na noite seguinte ela chegou chapada e, após falar sobre astrologia e cartas, perguntou se a gente tinha um béqui pra arrumar pra ela. "Perguntar não ofende", completou.

Béqui a gente não curte, mas álcool de vez em quando vai bem. Todas as noites saíamos pelo centro histórico para pegar ar fresco, olhar as lojas de artesanatos, ouvir Bossa Nova (que sempre tocava em algum bar ou restaurante), sentar numa mesinha ao ar livre e tomar cerveja. Experimentamos também a cachaça Gabriela, minha xará, que é curtida com cravo, canela, gengibre e mel. Muito doce e saborosa. Também tomamos capirinha de açaí e cachaça com pimenta: misturas exóticas.

Os barcos


Fizemos um passeio de escuna de oito horas, parando para nadar na Ilha dos Cocos, Mangaguá e Praia Natural. Quando comprei o passeio, haviam me dito que o barco pararia em Paraty Mirim, mas a informação estava errada. Se por um lado fiquei desapontada por não conhecer essa praia, por outro arranjei mais um motivo para voltar a Paraty. As três paradas eram muito boas para nadar. A água era tão cristalina que eu conseguia enxergar o fundo, mesmo em regiões com dez metros de profundidade. Na Praia Natural, nadei junto a um cardume de peixinhos listrados que estavam felizes comendo pedaços de frutas que as pessoas atiravam do barco. Logo que saímos do local, cruzamos com dois golfinhos que iam na direção dos peixes, provavelmente querendo comer aqueles que comeram as frutas...

Peixinhos listrados


Também passeamos de jipe pelas cachoeiras e alambiques de Paraty. Lugares muito bonitos, uma pena que estivessem sempre cheios de gente e que a excursão tenha passado por eles com bastante pressa. Mas deu para sentir a pressão da água gelada nas costas, levando embora as preocupações e ziqueziras, deixando-me renovada para mais algumas semanas de trabalho no CREAS.

Um lugar, em especial, merece ser mencionado: Cachoeira do Tobogã. Uma pedra enorme e lisa, com uma leve inclinação, que funciona como um escorregador natural. Os turistas e criancinhas escorregam sentados, mas há profissionais de Surf na Pedra que descem de pé, fazendo acrobacias. Vi moleques descerem de costas, dando rodopios, usando as imperfeições do declive para saltar, em altas exibições arriscadas de habilidade e equilíbrio. Desci duas vezes, sentada, é claro. Perguntei ao Samuel se ele não iria, e ele disse que não era doido. Por inferência, confirmei mais uma vez que ele me acha doida.



No domingo saímos logo depois do café da manhã e fomos a Trindade, uma praia que fica a uns 20 minutos de Paraty, já a caminho de Ubatuba. Muito limpa e não muito lotada, a praia tinha um mar bravo no qual não ousei entrar. No entanto, as psicinas naturais formadas por um rio que desemboca no local são maravilhosas para refrescar. Andamos bastante até a ponta da praia, já povoada por bares e guarda-sóis. Voltamos às piscinas naturais e, então, escorreguei e bati meu pé numa pedra, com tanta força que fiquei até sem ar. Deixei o pé por alguns minutos dentro da água gelada do rio, tentando evitar inchaço. Voltei mancando para o bar, perto de onde paramos nosso carro. Enquanto comíamos uma grande e deliciosa porção de camarões, eu gelava o pé com a latinha de Coca-Cola.

Trindade


Na volta, Samuel precisou dirigir o caminho todo: eu não estava em condições de pisar na embreagem. Dia seguinte, pé ainda inchado e dolorido, fui tirar raio X. Felizmente, não era fratura, mas foi preciso passar um dia todo de molho. O feriado prolongou-se mais um pouco e pude dar um gás na pesquisa de doutorado, enquanto mantinha meu pé para cima com a ajuda de um banquinho e passava óleo de andiroba com cravo de tempos em tempos para controlar a dor.

Ainda voltarei a Paraty com mais tempo, porque vale a pena. Em alguns poucos quilômetros, a cidade reúne cultura, história e áreas de preservação ambiental, tornando-se um destino bastante acolhedor para as minhas necessidades de viajante.