terça-feira, 19 de abril de 2011

Outra despedida

- Durante a inspiração, estenda o braço lá no alto, fixando o olhar em um ponto à sua frente. O outro braço permanece flexionado, como se segurasse uma flecha que você pretende disparar em direção a um alvo. Agora sinta que há algo te puxando pelo braço, te puxando lá para cima, como se te arrastasse para o céu. Esse asana é o da conquista de objetivos. Qual é o objetivo do seu Eu interno? Aonde Ele quer que você vá? Deixe que te leve...

Assim que a professora de yoga silenciou, aquela estranha força me puxou para o alto, me arrebatou. "Essa força é real, não é só imaginação, eu a sinto...", pensei. Algo dentro de mim se movimentou e diversas imagens vieram à minha mente, numa breve visão de um futuro distante, em que há alguma coisa muito importante a ser feita no meu mundo profissional, provavelmente em outra cidade, provavelmente uma decisão que vai afetar muita gente... Mas isso é depois, é muito distante no tempo e no espaço. O agora... Agora não é mais tempo de estar em Valinhos. É tempo de partir, de trilhar outros rumos, em que eu possa crescer a partir da experiência que tive até aqui. O que me segura onde estou? Sem dúvida, o apego, a dedicação a todas essas pessoas que, na sua simplicidade, me mostraram seu lado mais negro para que da lama eu pudesse ajudá-las a criar Homens e Mulheres. Mas já é hora de partir...

- Agora, numa expiração bem forte, solte a flecha! Deixe que vá em direção ao seu alvo, ao seu objetivo, para o qual você está olhando agora.

Meus braços acompanharam a súbita e intensa expiração que lançou a flecha dos meus objetivos mais profundos ao desconhecido.


***

Quatro dias depois...

- Oi! Estou te ligando pra avisar que saiu hoje sua nomeação no Diário Oficial! Você já vai poder vir trabalhar aqui na UFABC!

Contive a euforia que me tomou naquele momento, para não chamar a atenção no ambiente de trabalho. Tudo o que eu queria era entrar na internet imediatamente e ver meu nome publicado no DOU. No fundo, por mais que a fonte da informação fosse absolutamente confiável, eu só acreditaria vendo. Mas o CREAS estava sem internet há alguns dias e sem previsão de voltar a conectar-se com a realidade virtual. Tive que esperar chegar em casa.

***

- Você vai?

- Eu vou!

- Já sabe o que vai fazer lá? Em que área vai trabalhar?

- Não sei, mas não preciso saber ainda... eu vou.

- Não está com medo? Muito ansiosa?

- Estou. Mas eu vou, porque sei que é o caminho que preciso trilhar a partir daqui...

***

O comunicado oficial ao CREAS ficou para o dia seguinte. E seguiu-se um período de muito trabalho, em que me esforcei por finalizar minha atuação nos casos mais complicados, passar informações para outros profissionais, escrever muitos, mas muitos relatórios para o Fórum e o Conselho Tutelar.

Paralelamente, eu avaliava os cinco meses de trabalho, lembrava de quão intenso foi tudo isso.

Trabalhar com a violência da casa dos outros é trabalhar com a violência da nossa própria casa. É rever o nosso passado, mergulhar nos nossos sentimentos mais terríveis para que seja possível compreender os sentimentos do outro.

No histórico da minha família, também existem episódios de violência física exagerada contra crianças, de dependência de álcool e outras drogas, de abuso sexual contra crianças e deficientes mentais. Felizmente, nada disso aconteceu diretamente comigo, mas está em algum lugar, no sangue, em alguma memória, em algum pedacinho de cromossomo que vem passando há tantas gerações.

Não é à toa que eu me envolvia tanto com as famílias que eu atendia, a ponto de sonhar que estava conversando com mães, ou escrevendo relatório para o Fórum, ou procurando tirar crianças de uma casa em que havia uma pedra verde feita de césio 137 dentro da televisão. Tratou-se de um trabalho externo que correspondia ao interno, uma limpeza a partir do contato intensivo com a sujeira.

Tudo isso enquanto eu morava em minha cidade natal, tão perto da família como não ousei estar nos últimos sete anos! Observando os sentimentos de dez anos atrás voltarem à tona, como se eu desentupisse uma privada. Resistindo ao cansaço físico, mental e, sobretudo, emocional que me fez dormir por três dias seguidos, com breves interrupções para comer, tomar algo alcoólico (de preferência, bem forte) e, se possível, reclamar da vida para alguém que me tivesse feito sofrer anos atrás.

E quando senti que voltei a estar numa relativa harmonia, sem rancores ou temores, separando o que é meu e o que é do outro... veio a força, a estranha força que me puxou pela mão, e para a qual eu me entreguei.

***

- Agora relaxe, deixe a mente serena, apenas observe os pensamentos passando, como se fossem nuvens. E se entregue! Se entregue ao Eu Superior, deixe que Ele te leve para onde quiser.

E por este céu azulado da minha cabeça, passou uma nuvem vagarosa, dizendo assim:

- Está bem, pode me levar. Eu me entrego! Já chega! Eu me entrego! Me leve aonde eu preciso ir...


2 comentários:

Marina disse...

Boa sorte nos novos caminhos...

Rita disse...

É isso aí... Continue caminhando. Para trás deixe o que magoa, com o sentimento de que serviu para aprender alguma coisa (não magoar o outro, por ex.) e para a frente, leve as experiências e o que é de bom para ajudar a si mesma e ao próximo. Boa sorte!