segunda-feira, 11 de abril de 2011

Encontros e reencontros - Parte III

- Relaxe... mergulhe profundamente... a mente vai ficando serena, vai se concentrando no corpo, no agora, no presente... solte mais o corpo... respire... respire... a atenção está apenas no corpo, na respiração... deixe a mente se aquietar... a mente não gosta de ser observada, ela sempre vai criar estratégias para escapar, mas vamos tentar manter a mente aqui, no corpo, porque mente, corpo e emoção são uma mesma coisa... respire... mergulhe mais ainda, vamos mais fundo... respire... solte o corpo... agora vamos deixar o Uno entrar, vamos nos tornar Um só com Ele... respire... se entregue...

Deixar Ele entrar? Tornar Um só com Ele? Tudo ia muito bem no relaxamento que encerra a aula de yoga, mas essa fala me perturbou. "Como é que posso deixar de lado a minha consciência, a minha individualidade, para me tornar o Todo?".

***

- Relaxe bastante o corpo - disse eu. Relaxe tudo: pernas, braços, cabeça, pescoço, tórax, tudo... Se você estiver completamente relaxado, seu corpo vai flutuar.

Eu tentava ensinar um homem de cerca de 40 anos a boiar na piscina natural formada pela cachoeira, na Chapada dos Guimarães. Ele e a esposa não sabiam nadar e nem flutuar na água e ficavam observando as diversas cachoeiras de longe, enquanto eu sempre atravessava nadando e me metia debaixo da queda d'água.

Cachoeira na Chapada dos Guimarães

O homem deitava na água completamente tenso, meio travado e, obviamente, começava a afundar.

- Tá vendo? Não dá certo, não tem como...

- É que você está tenso, precisa relaxar... precisa confiar na água, a água não vai te deixar afundar, vai fazer seu corpo subir. Se você relaxar completamente, seu corpo vai flutuar... Confie na água! Confie que ela vai te sustentar! Se solte... se entregue...

Não adiantou nada, o homem continuava tenso, musculatura rígida e o corpo afundava, deixando-o ainda mais desesperado e diminuindo cada vez mais as chances de que ele descobrisse a delícia de deixar a água conduzir o corpo completamente relaxado...

***

- Relaxe o corpo, filha... se você ficar tensa, afunda... confie no papai, o papai está te segurando...

Meu pai tentava me ensinar a boiar na água do mar, lá na praia do Lázaro, em Ubatuba. Me pegava no colo, deitada, estendia os braços por baixo do meu corpo e dizia para eu relaxar. Então ia tirando os braços de levinho para que eu flutuasse na água salgada, mas nesse momento eu me tornava rígida, afundava e ia parar novamente nos braços dele.

- Relaxe... solte o corpo...

- Estou relaxando, pai...

- Tem que relaxar mais, você ainda está muito dura, assim afunda mesmo...

E eu, com todos aqueles medos infantis dentro do corpinho de criança pequena, confiava no papai, mas não na água. Essa água mole não me sustenta. Se eu me soltar, afundo. E ponto.

***

Foi em um certo local da Montanha Machu Picchu que, de repente, eu estava muito consciente do meu corpo e da minha respiração e fui mergulhando lá no fundo, cada vez mais fundo, sem deixar a mente mentir para mim. Fui me embrenhando no centro de mim mesma e percebendo que era o mesmo que ir entrando na Montanha. Sim, eu era a Montanha, era aquelas pedras, aquelas árvores, eu era os pássaros, eu era a água, era as nuvens, era os sons... Eu era o Todo, estava completamente entregue, ou pelo menos pensava assim, quando Algo me perguntou:

- Você quer...? Você se entrega...? Está pronta para ser o Todo? Abdica de sua própria consciência individual para ser o Coletivo?

- Não... eu não quero... eu gosto demais da minha consciência individual, quero continuar sendo eu mesma...

- Tudo bem... voltarei a te fazer essa pergunta mais tarde...

***

...respire... mergulhe mais ainda, vamos mais fundo... respire... solte o corpo... agora vamos deixar o Uno entrar, vamos nos tornar Um só com Ele... respire... se entregue...

A entrega exige confiança.

Deixar de lado a mente individual e dar espaço ao Todo é dar um passo no escuro. É me soltar na água mole, tendo a plena confiança de que serei sustentada. É soltar o corpo tendo a certeza de que braços invisíveis me amparam.

Foi assim na viagem, De Roncador a Machu Picchu. É assim na minha vida, cada vez que me solto e deixo que as águas me levem para onde devo ir... O segredo é a entrega: relaxar corpo, mente e emoções e simplesmente sentir o embalo das ondas e da correnteza que suavemente nos carregam, ainda que não saibamos para onde. Quanto mais tensão, mais afundamos. De nada adianta o controle ilusório da mente sobre o corpo: é preciso relaxar para que possa emergir a Unidade.

A entrega é sempre um exercício de flutuar.

Gate gate paragate parasamgate bodhi svaha!

Um comentário:

Tania regina Contreiras disse...

Texto envolvente, Gabi. Sim, é verdade, o segredo está na entrega. A água é metáfora, muitas e muitas vezes.
Beijinho,