quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Lições sobre o medo

Muita gente tinha medo de muita coisa lá no Portal do Roncador: a Sra. J. tem medo de gafanhoto, outra senhora tem medo de onça, Daniel tem medo de cobra, eu tenho medo de lugares fechados (que por lá, se traduziam em cavernas). Sim, o cerrado tinha muitos elementos tenebrosos para nós, habitantes da selva de pedras. Mas para alguns habitantes da região, perigoso é viver em São Paulo. Perguntavam sempre dos ataques do PCC, que passavam com frequência nos telejornais, e me pareciam imaginar que basta você sair na esquina de casa para ser assaltado, ou sequestrado para roubarem seus rins.


Maurinho parecia não ter medo de uma coisa, nem de outra. Fazia trilha de bermuda e chinelo. Disseram-nos que ele anda no mato como um índio, sem sequer deixar rastro. Nunca o vi ter medo de cobra, inseto, onça ou qualquer outra coisa. Também não tem medo de gente, como fica claro nas histórias que ele conta sobre suas atuações em fiscalização ambiental. E não tem medo da selva de pedra, pois já esteve em São Paulo e não obedeceu aos conselhos de seu amigo, que recomendou que ele trancasse a janela do quarto ao dormir em uma casa nas quebradas de São Mateus, e que não levasse sua sofisticada máquina fotográfica para passeios de metrô na Praça da Sé. Disse ele que o que tiver que acontecer, vai acontecer e pronto, então não vale à pena ter medo. Mas no meio de uma história sobre um lago dentro de uma caverna, confessou que tem medo de águas profundas e imagina que um bicho pode puxá-lo para baixo.

Bem, é claro que o elemento assustador não está no gafanhoto, nem na cobra, nem na onça, nem na caverna escura e fechada, nem no PCC, nem nas águas profundas... O medo está na gente, e a gente o coloca onde quiser. Geralmente, nosso inconsciente gosta de colocá-lo em elementos pouco conhecidos, como os animais selvagens para o homem urbano e a violência das facções criminosas para o morador de região rural.

E a gente sempre atrai aquilo de que tem medo, talvez para que se torne conhecido. Para nós, bichos de cidade, a natureza arma suas peças e se diverte às nossas custas.

Uma senhora me contou que durante um trabalho de oração, sentiu um "bicho enorme" andar nas costas dela, e ardia muito. Ela ficou desesperada, pensando que bicho seria aquele, mas sem poder verificar, porque estava de mãos dadas com os outros membros do grupo, em plena oração. Ao final, pediu para verificarem o que era e encontrou uma minúscula formiguinha. Quando ela me contou, imaginei um saci-pererê escondido na copa de uma árvore, gargalhando sem parar.

Mas a história mais legal foi a da famosa Sra. J., que tinha medo dos gafanhotos. Enquanto ela esteve por lá, encontrávamos nuvens de gafanhotos por toda a fazenda, e os bichos batiam no rosto da gente, nas mãos, pernas, pés, nariz, olhos, acasalavam sobre a lona da nossa barraca, entravam nos copos de suco e nas panelas de sopa, pulavam no nosso prato de comida e a gente simplesmente tirava os gafanhotos e continuava comendo. A Sra. J. passava o tempo todo assustada e dizendo: "mamãe! mamãe!", enquanto dava saltinhos. Ela partiu aos primeiros raios de sol de segunda-feira. No jantar do mesmo dia, praticamente não víamos gafanhotos na cozinha. Pensando melhor, eles haviam sumido da fazenda toda. Pareciam ter se recolhido na selva. E o saci-pererê dormiu satisfeito lembrando de sua travessura, com a sensação de missão cumprida!


Imagem: André Koehne (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Saci_perere.jpg)

Um comentário:

Tania regina Contreiras disse...

Muito bom. O medo parece ter força de se concretizar, não é?

Sua escrita é sempre deliciosa.

Beijos,