segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Lições sobre a dor - Parte 1

Livrei-me de um peso danado no dia 25/01/2013, quando finalmente terminei de escrever a Tese. E agora sobra tempo para viver e para escrever coisas mais importantes, como as postagens do blog. Mas esse assunto fica para outro dia. Antes, quero continuar do ponto em que parei as aventuras no Mato Grosso, vivenciadas em novembro de 2012. E a continuidade passa por muita dor...

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Quando cheguei na fazenda, na ponta da Serra do Roncador, meu pé esquerdo estava em retalhos. A pele descamou e ressecou, abrindo fendas que sangravam. Minava da ferida um líquido amarelado, que atraía os mosquitos. Se eu fosse uma pessoa normal, talvez tivesse desistido de ir a uma fazenda onde eu dificilmente teria acesso a serviços de saúde e onde esperava fazer trilhas de horas montanha acima. Mas nunca fui normal...

Eu usava meias o tempo todo, para evitar os mosquitos. Ou melhor, usava meia, no singular: como estava muito calor, decidi cobrir apenas o pé esquerdo. E andava assim, de meia em um pé só e calçando cróquis cor-de-rosa, como se faz em um local em que você não espera, de forma alguma, que sua aparência seja levada em consideração por qualquer pessoa que você venha a encontrar ou conhecer.

Mal cheguei à fazenda, e já estava me coçando. Observava os mosquitos cobrirem de pontos escuros a meia azul do meu pé esquerdo. De repente, surgiu uma moça na qual eu ainda não tinha reparado. Não sei o que foi que me deu a impressão (mais tarde confirmada) de que era uma pessoa muito especial. Talvez fosse o jeito que ela andava e o olhar, que me passavam a confiança de alguém que já conheceu o seu melhor e o seu pior, e agora está sendo simplesmente autêntica. Simplesmente ela mesma... Disse que estava no chalé e teve uma "comunicação" de que eu estaria com algum problema de pele no pé.

Trouxe um pedaço de folha de babosa, aquela planta também conhecida como aloe vera. Ensinou-me a fazer uma espécie de curativo com a planta, fixando-a na pele por baixo da meia. Foi assim que sobrevivi nos próximos oito ou dez dias: enquanto eu usava a babosa, não sentia dor, nem coceira. Chegava a me esquecer da ferida, enquanto andava pelas trilhas montanha acima.

Interessante que, três dias antes, eu havia visitado um casal de amigos. E outra moça muito especial me trouxe uma babosa...

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Usando babosa, a dor desaparecia durante o dia, mas não deixava de me acompanhar à noite. Aliás, a escuridão e o silêncio a fortaleciam... Eu sentia o pé esquerdo latejar, como se fosse um machucado que alguém limpou com álcool. O corpo todo pulsava, numa agonia viva. Claro que não era possível dormir, e eu morria de inveja do Daniel, que já estava fazia tempo no mundo dos sonhos... Foi assim que passei minhas noites durante pelo menos duas semanas. Talvez umas três ou quatro...

O que fazer quando não se pode dormir, no meio do mato, pulsando de dor? Não há analgésicos, nem televisão, nem videogame, nem computador para distrair a cabeça. Lembrei-me da professora de yoga. Quando fazíamos aqueles asanas complicados, retorcendo todo o corpo, ela dizia: "encontre conforto na dor! Respire!". Resolvi sincronizar minha respiração com o pulso latejante da dor. A dor é só um sentimento como os outros. Como o frio, como o calor, como o tato. Não é melhor, nem pior que outros sentimentos. Então, o melhor aproveitá-la. Respirar, respirar e relaxar.

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"Uachpoclan raubén uartarréin". Essa frase entrou na minha cabeça, e eu a repetia como se fosse um mantra. Sabia que era parte do Pai Nosso em aramaico, que eu havia aprendido com o Grupo que encontramos na fazenda. Mas não conseguia lembrar o significado, muito menos de madrugada e com dor. Dormi ao som de minha própria voz, que repetia: "Uachpoclan raubén uartarréin" a cada expiração sincronizada com a dor pulsante.

No dia seguinte, é que fui investigar. Se entendi corretamente, a frase significa algo como: "assim como nós liberamos os pecados dos demais". Lembrei-me dos ensinamentos que aprendi com o Grupo: devemos parar de julgar os outros, de falar mal, porque isso os prende aos próprios pecados e acaba por nos prender nos nossos também. O que isso tem a ver com a dor? Talvez muito mais do que eu possa imaginar...

(continua)

Um comentário:

Mariana de Oliveira Campos disse...

gabi, obrigada por dividir histórias, sensações e aprendizados.

você escreve e é gostoso de ler.

beijinhos!