sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cachoeiras de São Thomé das Letras

Engraçado como as grandes mudanças de minha vida têm sido sempre precedidas por viagens. E são viagens que não foram planejadas para estar na intersecção entre fases de vida, mas que, no fim das contas, acabam se revelando como momentos de transição. Eu e Daniel havíamos planejado viajar para São Thomé das Letras na Páscoa, antes mesmo que eu soubesse que a Páscoa encerraria minhas atividades na Prefeitura Municipal de Valinhos.

Eu já tinha ido uma vez a São Thomé, anos atrás, em uma excursão de um final de semana. A programação de atividades da excursão incluía muitas palestras, reuniões, passeios para comprar artesanato, igrejas, pizzas e... nenhuma cachoeira. Os companheiros acreditavam que a iluminação espiritual se dá mais pelas palestras e discussões, e que conhecer as belezas naturais do local poderia ficar em segundo plano. Bem, respeito todas as formas de espiritualidade, mas... por isso mesmo, tenho descoberto minhas próprias maneiras de me encontrar por aí. Hoje, se depender de mim, as cachoeiras, trilhas e montanhas serão o primeiro tópico das minhas viagens.

Os motivos para gostar tanto das cachoeiras são diversos, alguns de natureza tão subjetiva que não tenho como declarar. A cada contato, vai aumentando o nível de consciência sobre a riqueza da experiência que as cachoeiras me proporcionam. Cada uma tem sua personalidade, suas delícias e seus caprichos. Existem as serenas, as revoltadas, as violentas, as gordas e as magras, as que têm cara de jovem, de mãe ou de avó, as amigáveis e as hostis, as mais masculinas e as mais femininas (embora eu acredite que a natureza de uma cachoeira é fundamentalmente feminina), as mais geladas e as mais frescas.

Confesso que o gelado da água, muitas vezes, é assustador, e que já fiquei olhando de longe, da margem, com aquela vontade enorme de entrar, mas sem coragem. Hoje eu sei que o gelado é apenas a ausência de calor, é só mais uma qualidade da matéria natureza. Esfria o corpo, sim, às vezes deixa meus lábios roxos e me faz tremer por vários minutos, mesmo depois de sair da água. Ainda assim, tenho enfrentado. Entro ordenando ao corpo que mande o calor para as extremidades (sim, após algum treinamento, o corpo começa a obedecer aos nossos comandos). Vou entrando, devagarinho ou de uma vez só, mas entro! Porque nada se compara à experiência de abraçar um rio. Os braços espumantes da Mãe Natureza vão levando embora as impurezas, mas não só as do corpo... é um abraço que lava a alma! Literalmente!

Então, para os demais aventureiros que gostam de enfiar o pé na lama, o carro em estradas terríveis, se arranhar em espinhos e tomar picadas de insetos, tudo em busca de uma boa queda d'água... seguem as dicas de lugares legais para passear em São Thomé das Letras.


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Avisos:

1. O nível de dificuldade da estrada pode variar em função das condições climáticas, mas saiba que seu carro, inevitavelmente, ganhará uma camada espessa de terra sobre a pintura.
2. O nível de desafio para encontrar o caminho pode variar em função da ação dos duendes.
3. O teor de THC no ar parece ser determinado por data, horário e distância do centro da cidade. Os valores aqui descritos se referem ao momento em que estivemos presentes.


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Cachoeira da Eubiose


Nível de dificuldade da estrada: Baixo
Desafio para encontrar o caminho: Baixo
Temperatura da água: Gelada
Teor de THC no ar: Médio


Foi a primeira cachoeira que visitamos, porque fica bem perto da cidade (cerca de 3 Km). Há placas indicando o caminho, mas em uma encruzilhada, especificamente, a sinalização está meio escondida.

Uma delícia para refrescar após 9 horas de viagem (sim, 9 em vez de 5, graças ao congestionamento no começo da Fernão Dias). A profundidade da piscina natural não é muito grande, mas com meu 1,49m de baixura, não deu pé para mim em alguns pontos. Mesmo assim, o local onde fica a queda d'água é raso o suficiente para você poder parar em pé e relaxar enquanto sente a pressão da água nos ombros, costas e cabeça.

Para chegar da estrada (onde é possível parar o carro) até a cachoeira, é preciso percorrer uma trilha de uns 10 minutos a pé. Enquanto descíamos, vimos três pessoas subirem bufando e dizendo que era muito cansativo. Até chegamos a pensar que seria um longo e árduo caminho até a cachoeira, mas na volta, concluímos que eram seres sedentários demais. Dá para subir tranquilamente, até para mim, que não pratico exercícios físicos regularmente.


Cachoeira das Borboletas


Nível de dificuldade da estrada: Alto, se você não for de Jeep
Desafio para encontrar o caminho: Alto, se você não for com um guia
Temperatura da água: Fria
Teor de THC no ar: Alto



Essa cachoeira estava incluída no roteiro de um pacote que fizemos, que passou por algumas grutas e pontos místicos da cidade. O passeio era de Jeep, o que foi providencial, porque de carro comum dificilmente conseguiríamos andar por aquelas estradas em aclive que passam no meio das pedreiras. Chegamos no final da tarde e o local estava essa muvuca que vocês veem na foto.

A cachoeira é bonita, sim. Tem um poço profundo, de tal forma que uns malucos chegam a pular de lá do alto para dentro da água (digo malucos porque, a meu ver, a profundidade não era suficiente para dar esses saltos... mas enfim, cada um é cada um). Na região das quedas, é possível parar em pé numa boa. A água cai com tanta pressão, que parece que você está levando vários socos nas costas. Mas é bom apanhar assim rs...

Dizem que o nome vem da abundância de borboletas que existem no local, mas não cheguei a vê-las, talvez porque no dia e horário em que fomos, tinha muita gente. Na entrada da propriedade onde fica a cachoeira, há um bar onde o povo se encontra para chapar e encher a pança. Em seguida, uma trilha leve em que o único risco parece ser o de pisar em bosta de vaca. Lá embaixo, o pessoal já estava bem chapado de cerveja e maconha, o que, a meu ver, não é um problema em si. Mas é meio chato encontrar latinhas de cerveja e pontas de baseado na água e meio difícil relaxar com um monte de gente fazendo algazarra. Ou seja, não é o meu perfil de cachoeira, ao menos não para se visitar em feriados prolongados...


Antares


Nível de dificuldade da estrada: Alto
Desafio para encontrar o caminho: Alto
Temperatura da água: Muito gelada
Teor de THC no ar: Baixo



Essa foi a maior cachoeira que encontramos em São Thomé. Uma queda razoável e, por isso mesmo, foi eleita pelas empresas de turismo para a prática de cachoeirismo (descer a cachoeira amarrado em cordas, ou seja, um rapel molhado).

Fazer rapel era um desejo que tínhamos já de outras viagens e dessa vez, pudemos concretizar. Acertamos com uma empresa que fica no centro da cidade. O transporte até o local ficou por nossa conta e foi bem complicado encontrar a cachoeira, que fica a uns 18 Km de distância da cidade. As placas ajudam um pouco, mas há várias bifurcações não sinalizadas. A estrada está muito ruim e em diversos trechos foi difícil de passar com o carro.

Paramos em um camping / bar no meio do caminho, pedimos informações para um jovem barbudo que nos sugeriu ir a pé por uma trilha que passava por dentro de sua propriedade. O cara disse ser dono do local, e que montar o camping e o bar foi uma escolha, para que pudesse levar a vida que queria. Como estávamos preocupados em chegar a tempo de fazer cachoeirismo, resolvemos ir de carro mesmo, e então descobrimos que já estávamos bem próximos. Largamos o carro numa espécie de estacionamento, ao lado de uma casinha de madeira que pretendia ser um bar e de um curral de vaquinhas. O resto do caminho era uma trilha pelo meio da mata, que descemos a pé, nos guiando, principalmente, pela audição, olfato e intuição.

O rapel pareceu uma atividade segura e não muito difícil. O tempo inteiro, a vítima (rs) desce amarrada e com o auxílio de um guia, que também tem controle sobre os nossos equipamentos. Olhar para baixo dá um friozinho gostoso na barriga, que nos faz esquecer o gelado da água da cachoeira. Não deu tempo de pensar em tremer enquanto eu cuidava de soltar a quantidade certa de corda e caminhar de um lado para o outro para aproveitar a queda d'água.

No fim, chegamos cedo e a cachoeira é, definitivamente, uma das mais distantes, por isso, não havia muita gente no local. Os grupos de turistas foram chegando aos poucos. Descoberta importante: chegue cedo e a cachoeira será só sua!



Filhote de Antares

Nível de dificuldade da estrada: Alto
Desafio para encontrar o caminho: Alto
Temperatura da água: Gelada de doer os ossos
Teor de THC no ar: Nulo



Essa pequena cachoeira fica logo acima de Antares e, provavelmente, não tem nome (Filhote de Antares foi criatividade minha). Foi a partir desse patamar que começamos a descida de rapel.

Como chegamos muito cedo (umas 9 e pouco da manhã), não havia ninguém, com exceção de um homem completamente nu, que pareceu surpreso e meio tímido com nossa presença. Ele logo se vestiu e desceu para Antares, então pudemos ter a experiência inédita de uma cachoeira só nossa!

A água era muito, mas muito gelada. Não sei se foi apenas impressão, mas pareceu mais fria que a de Antares, apesar da proximidade. Ainda assim, a pequena queda é deliciosa. É possível subir pelas pedras e encontrar a melhor posição para uma espécie de hidromassagem natural. Como se eu estivesse sentada num colo de pedras enquanto recebia o abraço das águas.


Cachoeira do Flávio


Nível de dificuldade da estrada: Baixo
Desafio para encontrar o caminho: Baixo
Temperatura da água: Fria
Teor de THC no ar: Alto



Saindo de Antares, decidimos parar em mais alguma cachoeira pelo caminho. Passamos pela Véu de Noiva e Paraíso, mas desistimos de descer, quando vimos o número de carros estacionados na beira da estrada. Seguimos na direção da cidade e paramos na placa "Cachoeira do Flávio".

Conforme fomos descendo a trilha, tive a impressão de estar em um Woodstock mineiro. Um carro colocou um rock em um volume que certamente espantou até os duendes e OVNIs do local e o pessoal ficava na trilha, alguns dentro de barracas, segurando latinhas de cerveja, salgadinhos e baseados. Logo abaixo, um outro carro tentava competir, tocando axé.

A cachoeira não nos atraiu muito. Daniel falou que era "muito rasa", eu falei que era "muito lotada". Subimos e voltamos para a cidade. Mas a foto registrou nossa passagem por lá.


Véu de Noiva


Nível de dificuldade da estrada: Médio
Desafio para encontrar o caminho: Baixo
Temperatura da água: Gelada
Teor de THC no ar: Baixo



No outro dia, voltamos à Véu de Noiva, mas logo cedo, usando a lição aprendida em Antares. Para descer, há uma trilha um pouco íngreme. Lá embaixo, havia pouca gente, do jeito que eu gosto (sim, em cachoeiras e praias, sou antissocial).

Meio difícil chegar até a queda d'água, porque a correnteza é forte. A dica é ir pela margem à esquerda, segurando nas pedras, na medida do possível, até encontrar um patamar onde é possível ficar de pé. A partir dali, pode-se caminhar até a pedra onde a água cai, com cuidado para não escorregar. Vale a pena!

O legal dessa cachoeira é que fica num local aberto, onde bate sol. É um outro clima, uma mistura de quente e frio. O fogo incidindo na água, o masculino no feminino. No mínimo, pode-se aproveitar para secar a pele e pegar um bronzeado.


Paraíso


Nível de dificuldade da estrada: Médio
Desafio para encontrar o caminho: Baixo
Temperatura da água: Gelada
Teor de THC no ar: Baixo



Essa cachoeira fica bem próxima à véu de noiva. Nem é preciso trocar o carro de lugar. A trilha bifurca logo no começo e a da esquerda segue para a Paraíso, enquanto a da direita segue para a Véu de Noiva.

Essa cachoeira parece ser muito apreciada por famílias com crianças, por causa dessa prainha de água doce. É rasa até mais ou menos a metade da piscina natural, mas a partir daí, não dá mais pé. No local da queda d'água, também é bem profunda. E eu, tonta, quase me afoguei porque me meti debaixo da água num local muito fundo. Com a pressão da água, submergi e não conseguia mais voltar... Sim, quando a cachoeira é hostil, é preciso ter cuidado. A Mãe Natureza também impõe limites.


***


Sete cachoeiras visitadas, no total. Não, o número não foi premeditado.

Em algum post futuro, darei mais algumas dicas para quem visita São Thomé das Letras.

Um comentário:

Alessandra disse...

Olá .. Sou de SP e estou planejando ir a São Tomé passar um fim de semana, não sei se vou de carro porque tenho um pouco de receio das condições da BR, se eu for de onibus tem como fazer estes roles pras cachoeiras ou somente de carro?
Gostei das suas fotos, bem bacana.