sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Uma tarde em Lima

Acordei 5h da manhã do dia 30 de outubro, sentindo que um caminhão havia passado por cima do meu corpo enquanto eu dormia. Peguei a mochila, mais pesada que nunca devido às recentes aquisições no mercado de artesanato, e fui para Lima, onde eu pegaria, mais tarde, o voo para São Paulo. Naquele instante, desejei que a volta para o Brasil fosse mais cedo. Minhas reservas energéticas já estavam mesmo muito baixas, devido aos abusos desde que saí para Machu Picchu.

O voo para Lima atrasou. Em vez de sair 7h, saiu meio dia e lamentei não ter ficado na cama por mais algumas horas. Gostei de avistar e sobrevoar o Oceano Pacífico, cheio de barquinhos, enquanto o avião fazia uma curva para chegar ao aeroporto. Desembarquei por volta de 14h e o voo para São Paulo sairia às 22:55. As malas já estavam despachadas, pois era uma conexão.  Livre, leve e solta, saí para conhecer a cidade.

Chegando ao aeroporto

Três taxistas me abordaram logo que saí do saguão do aeroporto. ¡Taxi, señorita, taxi! Segui um deles até o carro, perguntando quanto iria custar a viagem, e o homem não respondia. Finalmente, quando chegamos no veículo, eu disse que não entraria sem antes combinar o preço. Cinquenta soles, disse ele. Eu sabia que deveria pagar no máximo trinta e pedi desconto. Quarenta, señorita. O outro taxista nos alcançou e disse que era perigoso pegar taxi com aquele cidadão, porque ele não é cadastrado, e me mostrou um crachá com o cadastro do aeroporto. Ao menos para o meu olhar inexperiente de brasileira, era um cartão igual ao que o outro taxista, supostamente não cadastrado, levava pendurado no pescoço. E o terceiro taxista apareceu, dizendo ¡treinta, señorita! Mas era “treinta” levando algum outro passageiro que ele iria arranjar. E todos falando na minha orelha ao mesmo tempo, eu sem entender nada, estressei: ¿quieren saber? ¡Voy a volver al aeropuerto! e fui andando rápido, muito irritada, passos de paulistana, com três taxistas correndo atrás de mim e dizendo: ¡treinta, señorita, treinta!.

No balcão de informações ao turista, descobri que havia ônibus do aeroporto até o centro de Lima e fui procurar o local indicado. Parei para perguntar no caminho e me indicaram um ponto onde passam micro-ônibus para a Plaza Dos de Mayo. Logo entrei numa van caindo pedaços, lotada, pior que todas as que já peguei em São Paulo, mas que custou apenas dois soles. Usar o meio de transporte que as pessoas da cidade usam, isso sim é viajar de verdade. Desconfortavelmente sentada num espaço que acredito não ter sido feito para comportar um assento, fui observando a paisagem feiosa e pensando: isto aqui é São Paulo com peruanos! Na lotação, havia prováveis trabalhadores, estudantes dormindo com a cabeça sobre livros e cadernos, mãe com bebê dormindo em seu colo, gordos tentando fazer o traseiro caber nos espaços miúdos. O trânsito é uma loucura, motoristas simplesmente enfiam o carro onde bem entendem sem sinalizar. A seta deve ser um acessório opcional dos veículos, talvez usado no natal, como pisca-pisca. Para indicar mudança de pista, curva ou qualquer outra coisa que se queira informar, usa-se a buzina, sem dó nem piedade. A regra é: mão na buzina, mete o carro na primeira brecha. Ri o caminho todo.

Pôr do sol no Pacífico

Cheguei na Plaza Dos de Mayo e fui procurar o que comer. Achei um restaurante, por seis soles me serviram uma montanha de pollo y pasta. Pedi informações sobre como chegar a Miraflores, bairro que me disseram ser bonito. E peguei micro-ônibus até lá, novamente me divertindo ao observar as pessoas e o trânsito. Desci meio enjoada com a comida do almoço e resolvi tomar um sorvete. Foi então que percebi que o mundo é pequeno e o Peru, menor ainda, porque encontrei três rapazes brasileiros que eu havia conhecido em Cuzco, onde ficaram hospedados no mesmo albergue que eu. Quando nos conhecemos, estávamos jogando sinuca e tomando umas Cusqueñas (ótima cerveja peruana), conversando em inglês, até que resolvi perguntar o nome de um deles:

- Márcio, and you?

- Márcio from Brazil?

- Yes, where are you from?

- Brazil too.

- Ah, que bom, vamo começá tudo dinovo, cumé que cê tá?

Pois é, encontrei Márcio e companhia tomando sorvete em Lima e fui com eles para a praia. Já estava entardecendo e a ideia era ver o poente no Pacífico (convenhamos, por razões geográficas, é bem mais provável que ver a mesma cena no Atlântico). Ao ver o calçadão ao longo da praia, aquelas pessoas passeando ou correndo, felizes e contentes, pensei: tá bom, fui injusta, Lima não é São Paulo com peruanos, é Rio de Janeiro com peruanos. Inclusive no trânsito.

Se eu fosse de pedra, gostaria de ser essa estátua...

Uma estátua me chamou a atenção: um casal entrelaçado de forma bastante erótica, mas não exatamente obscena, com poesias sobre o amor inscritas no pedestal. De acordo com meu amigo Hannder, morador de Lima, estive no Parque de los Amores, embora não soubesse o nome, nem mesmo que era um parque. Fiquei pensando no quanto esse casal da estátua deve ser feliz. Passar a eternidade se amando na beira da praia, entre os canteiros de amor-perfeito impecavelmente cuidados de Miraflores, apreciando o entardecer maravilhoso, os paraquedistas coloridos que voavam para lá e para cá como se fossem um enxame de pássaros gigantes, as bicicletas, cachorros, crianças... e sem parar de namorar enquanto tudo acontece ao seu redor. Sim, esse casal é feliz e não sabe, a menos que as estátuas já tenham alcançado algum nível de consciência.

Medo do sol se apagar...

O sol baixando rapidamente e avermelhando céu e mar, enquanto caminhávamos em direção ao farol. “Não vai dar tempo”, disse um dos meninos. O sol já tocava a água e eu começava a temer que o fogo se apagasse, mas misteriosamente, continuava naquele ardor encarnado. A fração da bola rubra que conseguíamos enxergar era cada vez menor e nós a víamos abaixar-se a uma velocidade perceptível a olho nu. Por fim, desapareceu sob o oceano, antes que pudéssemos chegar ao farol, deixando-nos com a sensação de ejaculação precoce.

O farol aonde não conseguimos chegar 

Aos poucos, a penumbra foi tomando conta do calçadão e as luzes da cidade foram se acendendo. Os meninos voltaram ao albergue onde estavam hospedados e eu tratei de comer e me preparar para ir ao aeroporto. Jantei ceviche, tradicional prato peruano que consiste em cubos de peixe cru, porém passados no limão, de forma que ficam esbranquiçados e azedinhos. Tomei a última Cusqueña da viagem e conversei com o garçom, que era egípcio e morava em Lima há quatro meses.

Anoitecer

Peguei um taxi com um señor muy gentil y sociable que a princípio pensou que eu morasse em Lima (e fiquei pensando se meu espanhol tinha melhorado muito ou ele que era meio devagar). Tão logo soube que eu era brasileira, perguntou sobre a viagem e fui contando a ele os diversos causos... Para meu espanto, era um taxista que dirigia bem, não corria, não buzinava, não se enfiava na frente dos outros carros: raridade em Lima, pelo que pude notar. E cheguei ao aeroporto, satisfeita com o suposto último dia de viagem e aliviada por ter chegado o momento de retornar ao Brasil (feijão com farinha, por favor, feijão com farinha, cachaça, caipirinha!).

Mas como eu disse, aquele foi o suposto último dia. Suposto...

2 comentários:

Esmael m leite disse...

mocinha você vai dar a volta ao mundo de cidade em cidade:D :D hihihi,háháhá!!!

Anônimo disse...

Ignorante tooootal. Ya vi brasileros de renta emergente "speaking englishyyy" es la cosa mas espantosa del mundo.