Cheguei em São Paulo com 18 anos, algumas roupas, livros e um colchão que peguei emprestado da minha mãe. Coube tudo num porta-malas. Eu dividia o apartamento com três colegas. Levei uma semana inteira para aprender o caminho da USP até em casa (e era só seguir reto pela rua Alvarenga, virar a direita na Av. Vital Brasil e depois a primeira esquerda). Lia os rótulos dos produtos de limpeza para saber para que serviam. Levei alguns meses para acertar o ponto do macarrão, mas a habilidade para ovo frito já era considerável.
Antes de morar aqui, São Paulo se resumia a dois lugares: Santana, onde mora minha avó, que para mim era só um monte de ruas cobertas de pessoas, carros e camelôs, cheirando a fumaça com xixi. E a USP, onde eu já estudava há um ano. Lugar agradável, mas ainda ameaçador naquele tempo, pela diversidade de pessoas, amplidão do espaço e grandeza da minha ambição por todo o conhecimento impregnado naquela atmosfera.
Igreja de Santana, onde aconteceram muitos casamentos e batizados de minha família.
Foi difícil me adaptar por aqui. Nunca gostei de aglomerados, filas, congestionamentos. Gente demais me irrita, seja na rua, no ônibus, no metrô ou na balada. O tom cinza da cidade é deprimente e a solidão na multidão é mais dolorida.
Tive que fazer muita coisa sozinha: procurar apartamento, providenciar móveis, ir ao médico, voltar para casa no meio da tempestade a pé e sem guarda-chuva, fazer compras e subir ladeiras carregando sacolas pesadas, matar baratas, tomar decisões difíceis em curtos intervalos de tempo, chorar abraçada em travesseiros e edredons. Mas em vários momentos, quando eu menos esperava, apareceram amigos fantásticos que me tiraram do fundo do poço. E, inegavelmente, houve momentos e espaços que me trouxeram muita paz - principalmente na USP.
Primavera chegando na USP, cobrindo o chão de florzinhas amarelas. Adoro!
Aos poucos, fui descobrindo que não tem como alguém se perder eternamente. Tendo boca, Google Maps e alguns reais para pegar condução, sempre se chega aonde quer, mesmo que cometendo alguns erros e perdendo um pouco de tempo. Fui me habituando com o sistema de transporte da cidade: circular interno da USP, ônibus, metrô, trem, Ponte ORCA, carona, táxi, ou até andar a pé por vários quilômetros (principalmente na greve do circular). De repente, já não tenho medo de sair por aí, nem mesmo de noite ou de madrugada: a vida da cidade na escuridão me interessa!
Estação cidade universitária
Conheci muita coisa legal: bairros, bares, casas dos outros, hospício (estágio no Charcot!), favelas (cheias de mães com depressão pós-parto), escolas, museus, teatros, cinemas, escritórios, shoppings, hotéis, motéis, feiras, parques, praças... E sempre há mais coisas para conhecer, porque em São Paulo tudo é muito grande e diversificado.
Centro de São Paulo: Shopping Light e Viaduto do Chá ao fundo
Quase oito anos por aqui e uma pequena lista do que vivi:
- cinco apartamentos
- oito colegas de apartamento
- cinco anos de graduação (quatro morando em são paulo)
- três anos de mestrado (um deles ao mesmo tempo que a graduação)
- quase dois anos de doutorado
- uma greve por ano (pelo menos...)
- uma porção de amigos
- alguns amores
- uns poucos pacientes (cobaias!)
- um psicólogo e uma psicóloga (ninjas!)
- mais liberdade (de sair, de pensar, de sentir, de viver...)
- aumento do dinheiro no bolso
- aumento das habilidades culinárias
- reconhecimento da falta de habilidades para faxina
- melhora (pequena) no senso de direção
- muito mais coragem para enfrentar a vida!
E o tempo todo eu sabia que quando eu começasse a gostar da cidade, meu karma com ela teria acabado e seria hora de mudar. Chegou a hora. Saio daqui para Valinhos, começo de nova fase de vida.
Deixo para trás muito do que construí: a casa que consegui alugar, mobiliar e (des)arrumar do meu jeito, os amigos (mas claro que ainda vou encontrá-los por aí), o emprego, a USP (mas claro que o doutorado continua!)...
Daqui levo a certeza de que a maior realização foi aprender a construir. A certeza de que posso fazer tudo de novo, esteja eu onde estiver. E a certeza de que tudo valeu a pena!
E que a atitude de recomeçar
é todo dia, toda hora
é se respeitar na sua força e fé
se olhar bem fundo até o dedão do pé
Eu apenas queria que você soubesse
que essa criança brinca nesta roda
e não teme o corte de novas feridas
pois tem a saúde que aprendeu com a vida
(Gonzaguinha - Eu apenas queria que você soubesse)
6 comentários:
Bem vinda de volta, após aprender a não se perder em linha reta.
Por via das dúvidas, vou comprar um GPS. A nova fase inclui aprender a dirigir. Eu sei que era pra eu saber dirigir há uns 8 anos, desde que tirei CNH, mas sabe como é, né?!
e o que eu to fazendo longe eqt isso acontece??? 8( Queria estar aí pra comemorar com você! Boa sorte e não acredite em GPS! (quem fala, sabe do que está falando hihihi ;))
Força Gabi!
bjs
Jardel
Que graça de depoimento. A gente aprende tudo isso mesmo depois que sai da cidade, sai do ninho, sai para a vida. Uns mais cedo, outros mais tarde...Identifico-me com muito do que você falou por ter vivenciado isso, numa cidade menor, mas em outro país. Boa sorte na tua vida nova!
Beijos,
Fer.
Muito legal o seu blog, Gabi!
Essa postagem já tem uns meses, mas achei muito interessante ver São Paulo do seu ponto de vista, além de eu estar aqui considerando uma mudança de estado pra fazer o doutorado, e com um certo receio de deixar tudo pra trás...
E eu também tenho carteira há ums 7 anos e preciso aprender a dirigir! Está na minha lista de coisas pra fazer em 2011.
Kisojn!
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