Waynapicchu é essa montanha mais alta que aparece ao fundo da cidade, a maior de Machu Pichu, com 2.634m. De acordo com o guia turístico, tinha função de comunicação para os incas. Mensageiros subiam até o topo da montanha e usavam espelhos de cobre para lançar sinais luminosos, que podiam ser vistos de Cusco, onde outros mensageiros faziam sinais para Waynapicchu usando o mesmo sistema de reflexos.
Eu truco. Cusco está a 3.310m, ou seja, é cerca de 900m mais alta que Waynapicchu. E do topo de Waynapicchu, não é possível enxergar Cusco. Os peruanos só souberam apontar mais ou menos a direção, pois é no rumo de Águas Calientes (essa fica no vale, é fácil de enxergar). Mas esses incas eram mesmo meio mágicos, então pode até ser que essa história seja verdadeira. Vou chamar os caçadores de mitos para testar.
Waynapicchu é a montanha mais alta, ao fundo da cidade
Subir essa montanha é complicado desde a madrugada. É preciso acordar bem cedo para estar entre as 400 pessoas que chegam primeiro no parque, para ganhar o carimbo que autoriza a subida. O acesso passou a ser controlado depois que algumas pessoas começaram a descer em cinco segundos o que subiram em uma hora, sabe? Antes de começar a caminhada, é preciso assinar um livro, anotando nome, idade, data, hora de subida e, na volta, hora de descida. Dizem que é um termo de responsabilidade, mas como não há nenhum texto, acho que é mais para eles irem buscar o corpo caso alguém não assine a saída. Para passar pela porteira e assinar o livro, esperei 50 minutos na fila, debaixo de sol forte. Os peruanos bem que poderiam dar um formulário para preenchermos e entregarmos na entrada, mas preferem complicar e fazer as pessoas todas torrarem a cabeça enquanto aguardam para assinar o mesmo livro.
A trilha toda foi construída pelos incas e poucas alterações foram feitas pela civilização atual. Em alguns trechos foram colocadas cordas e bem no topo, há uma escada de madeira. Mas de maneira geral, foram preservados os mesmos degraus e os mesmos caminhos malucos que os incas usavam para subir.
As escadarias incas de Waynapicchu estão preservadas na maior parte da montanha
Obviamente, a subida é bastante cansativa. Em média, dura uma hora, mas levei uma hora e quinze. Parei muitas vezes para tomar fôlego ou mesmo para contemplar a vista. Andei sozinha e em silêncio, mas muitas pessoas passaram por mim, subindo ou descendo. Percebi a dimensão do perigo quando cheguei nas primeiras escadarias: além de íngremes, são irregulares e escorregadias. Ao nosso lado, há um penhasco. Qualquer escorregão ou passo em falso pode derrubar o caminhante lá embaixo... Mas continuei, pensando que deve ser apenas ligeiramente mortal, pois se fosse demasiado, já teriam bloqueado de vez o acesso.
A diversidade de ambientes na trilha era interessante. A maior parte dela é feita de escadarias de pedra, mas há trechos de terra batida e até túneis por dentro das rochas.
Túnel por dentro da rocha
Se os incas fossem os engenheiros dos barracos nos morros do Rio de Janeiro, talvez não tivéssemos tantos deslizamentos... No trecho mais alto de Waynapicchu, há diversas construções. Inclusive o Templo da Lua, que infelizmente estava fechado para visitação. Não consigo imaginar como é que construíram tanta coisa numa altitude tão grande, com encosta íngreme e usando pedras enormes como material de construção, sem contar com um guindaste ou um trator.
Uma das construções incas, num trecho bem alto da montanha
Enquanto eu esperava na fila para subir Waynapicchu, ouvi um rapaz atrás de mim perguntar a seus amigos: "Are you ready to the extra suffering?". Sim, para se meter a subir essa montanha, é preciso querer sofrer mais um bocado. Na metade do caminho o fôlego já estava escasso, as pernas doíam, a água de dentro da garrafa estava quente, eu estava com fome e queria fazer xixi, mas só havia banheiro fora do parque e não tem como sair da trilha numa montanha íngreme como essa. Continuei subindo, movida pela força interna da curiosidade, da vontade de explorar.
E quando finalmente cheguei no topo, foi lindo! Vista fantástica, acompanhada da sensação de vitória por ter galgado tantos degraus. Muita gente estava lá em cima, de muitas partes do mundo: europeus, norte-americanos, peruanos, indianos e eu lá, de brasileira. Deitei numa rocha, fiquei curtindo o paraíso a que havia chegado. Aos poucos as vozes foram diminuindo e vi que a maior parte das pessoas foi embora. Já eram cerca de 2h da tarde e eu não havia almoçado, resolvi descer.
Foi quando um senhor me chamou e perguntou se eu não iria subir na pedra mais alta. É, eu bem que queria, mas estava com medo. Aquela era ainda mais escorregadia que as outras e bem alta, difícil de alcançar com essas minhas pernas de quem tem menos de um metro e meio de altura. Mas com o apoio moral e físico desse senhor limeño, acabei subindo. E mais, acabei me levantando. Braços abertos, de pé na pedra mais alta do topo da montanha mais alta de Machu Pichu. Literalmente, era o ápice.
O ápice
Tirei fotos da cidade vista de cima. A estrada sinuosa que aparece à esquerda é a que subimos de ônibus, de Águas Calientes até Machu Pichu. Dá para enxergar também os terraços agrícolas e as construções de pedra. Tudo parecendo tão pequeno que eu nem acreditava que havia estado lá poucas horas antes...
Machu Pichu vista do alto de Waynapicchu
Depois de tudo, ainda havia a descida. Bem menos cansativa que a subida, sem dúvida, mas também mais perigosa. O risco de escorregar era maior. Algo que me encanta nas trilhas é que, nesse momento, toda a minha atenção está concentrada no corpo: onde vou pisar, como vou equilibrar meu peso, em que ponto as mãos vão se apoiar. Para quem está acostumado com trabalho exclusivamente intelectual, como eu, é uma oportunidade ótima de mudar a rotina da mente.
Desci toda suada, cheia de terra, acabada, correndo para o banheiro do outro lado do parque, buscando comida urgentemente, mas sentindo aquela felicidade que se desprende dos poros quando o corpo está contente.
2 comentários:
Bacana! Uma outra coisa que acontece quando caminhamos por trilhas íngrimes é a tenção toda, toda voltada para os passos, o corpo. Digo que nessa hora estamos vivendo o presente. Uma lembrança, um desvio de atenção do presente para o passado ou futuro e...já era!
Muito bom acompanhar seu blog e essa viagem maravilhosa! rs
Bjos
Verdade! A sensação é essa mesmo, de cabeça focada no presente. Não dá para se perder em devaneios...
Essa sensação era mais forte nas trilhas, mas me acompanhou a viagem toda. Eram tantas novidades e tanta coisa para estar atenta, principalmente por estar sozinha, que vivi todos os momentos intensamente, com a cabeça no agora.
Acho que você disse o que eu estava sentindo, mas não consegui dizer... :-) Obrigada!
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